A coluna de Augusto Nunes, no Jornal do Brasil

A metamorfose ambulante
O ex-governador Alckmin é uma dicção perfeita à procura de uma idéia. O candidato Geraldo é um combatente despreparado para a execução de ataques frontais. Fisionomia de filho amantíssimo, figurino de marido exemplar, conversa mansa de pai extremoso, Geraldo Alckmin seria imbatível se candidato a representante de turma no curso maternal de Pindamonhangaba. Para desconsolo dos milhões de indignados, é o principal candidato da oposição brasileira.
Fossem outros o perfil e a têmpera do adversário e o presidente Lula estaria treinando braçadas na piscina do Palácio da Alvorada, em aquecimento para a tentativa de alcançar a praia improvável. Fosse outro o concorrente e Lula estaria no gabinete, emparedado por valérios e valdomiros, dirceus e delúbios, mensaleiros e sanguessugas. Em vez disso, mata o trabalho, faceiro, em giros por palanques dos grotões.
Feliz com o xaxado das pesquisas, o presidente-candidato já trata de escancarar em improvisos a opção preferencial pela desfaçatez. Se tantas agressões às leis, à ética e à sensatez não lhe arranharam a popularidade, não custa consumar mais uma. Ou muitas.
Nesta semana, enquanto o Brasil que presta convalescia das torpezas ocorridas no sarau oferecido por Lula a artistas do Rio – e os autores das declarações infames tentavam explicar o inexplicável – o candidato voltou a desfraldar a bandeira do cinismo.
“Política a gente faz com o que a gente tem, e não com o que a gente quer”, ensinou Lula em São Paulo. “Esse é o jogo real da política que precisou ser feito em quatro anos para que chegássemos a uma situação altamente confortável”. Nas pesquisas, presume-se.
A elevação do suborno de parlamentares a prática política aceitável seria chocante se formulada por um punguista. A metamorfose se torna mais apavorante quando envolve o homem que fez tão estimulantes promessas no discurso de posse, como registrou o jornalista Clóvis Rossi.
“O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu governo”, fantasiou em janeiro de 2003. “É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida brasileira”.
Quatro anos depois, o antigo campeão da moralidade brinca de governar o Brasil com o que houver por aí. Quando deputado, Lula afirmou que havia no Congresso “pelo menos 300 picaretas”. Hoje a bancada fora-da-lei é bem maior. E entra sem bater no gabinete presidencial.

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