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Mostrando postagens de abril, 2024

Editorial do Estadão, 28/04/2024

Está faltando pudor É louvável que ministros do STF discutam questões brasileiras. Bem menos evidente é a razão pela qual o fizeram em Londres, num hotel caríssimo e com tudo pago por uma empresa privada Junto com a balança e a venda, a toga preta simboliza a uniformidade, a isonomia, a sobriedade da Justiça. Todo servidor deve seguir os princípios da administração pública – impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, legalidade –, mas, se aos juízes cabe um figurino, é porque devem não só segui-lo, mas representá-lo. Não basta ser íntegro, é preciso parecer. Mas as aparências às vezes enganam. É louvável que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reúnam em fóruns para discutir questões jurídicas do País. É mais difícil entender, no entanto, os motivos pelos quais esses ministros precisaram sobrevoar o Atlântico para fazê-lo num caríssimo hotel de Londres, com tudo pago por um organizador privado. Entre os dias 24 e 26, celebrou-se no Hotel Peninsula, na capital britân

Editorial do Estadão, 27/04/2024

  Lei não se negocia; cumpre-se Em vez de simplesmente fazer o controle de constitucionalidade da lei do marco temporal, o STF prefere abrir um processo de ‘conciliação’, tarefa eminentemente política A propósito da demarcação de terras indígenas, em toda a existência da Nova República vigorou a tese do marco temporal, fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009: os povos indígenas só poderiam reivindicar as terras que ocupavam (ou, no mínimo, disputavam) na data de promulgação da Constituição. Em setembro de 2023, o STF reverteu sua própria jurisprudência e derrubou a tese. Antes que a decisão fosse publicada, no entanto, o Congresso aprovou uma lei normatizando o marco temporal. Partidos e organizações civis entraram com processos questionando a sua constitucionalidade. Agora, o relator das ações, ministro Gilmar Mendes, suspendeu-as e abriu um processo de “conciliação”, convocando os autores das ações, os chefes do Executivo e do Legislativo, a Advocacia-Geral da União e a Pr

Editorial da Folha de São Paulo, 19/04/2024

Poderes estão fora de órbita no Brasil Judiciário legisla, Congresso sequestra Orçamento, Executivo ataca equilíbrio fiscal; urge corrigir essa anomalia O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criticou o ministro responsável pela articulação política do governo, Alexandre Padilha (PT), e teve um primo demitido de uma prebenda federal. O Planalto dobrou a aposta no ministro, e o centrão trama maneiras de retaliar o Executivo. Lira também se incomodou com mais uma provável reviravolta em entendimentos do Supremo Tribunal Federal —que mudou de ideia e se inclina a ampliar sua alçada sobre autoridades com foro especial— e ameaçou criar uma CPI para investigar supostos abusos em decisões de ministros da corte. Reagindo a uma investida do STF em temas legislativos, o Senado aprovou emenda à Constituição que, ao estilo das nações mais regressistas do planeta, criminaliza o porte e a posse de drogas. Um grupo de juízes da corte manifestou sua preocupação com a saliência do C

Editorial do Estadão, 18/04/2024

  Freios e contrapesos em frangalhos Aprovação da PEC das drogas no Senado se presta a retaliar o STF, em mais um capítulo da espiral de revanche entre os Poderes. Sem autocontenção, as instituições não funcionam Em fevereiro, na abertura dos trabalhos do Poder Judiciário, os presidentes dos Três Poderes organizaram uma coreografia para celebrar a “harmonia entre os Poderes”. O presidente da República falou em “afeto” pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente do Congresso disse que nenhuma instituição tem o “monopólio da defesa da democracia do Brasil”. O presidente do Supremo arrematou: “Felizmente, não preciso gastar muito tempo nem energia falando de democracia, porque as instituições funcionam na mais plena normalidade, com convivência harmoniosa e pacífica de todas”. A frase envelheceu rápido e mal. O que se vê é o contrário. Cada Poder gastando muito tempo e energia com sua agenda própria, ora confrontando outro Poder para demonstrar força, ora se aliando pa

Editorial do Estadão, 17/04/2024

  O papelão do Itamaraty lulopetista A má-fé da diplomacia do governo Lula ficou explícita na nota pusilânime que o Itamaraty soltou a respeito do ataque do Irã contra Israel, na qual não condenou o agressor Na hipótese benevolente, a nota pusilânime por meio da qual o governo de Lula da Silva reagiu ao ataque do Irã a Israel no fim de semana passado mostra que a política externa brasileira está entregue a rematados ineptos. Na hipótese mais realista, considerando o alinhamento entusiasmado do Brasil sob Lula ao movimento antiocidental liderado por tiranias diversas, entre as quais o Irã, trata-se de mais uma prova de má-fé da diplomacia lulopetista. Como se sabe, o Irã atacou Israel diretamente pela primeira vez na história, disparando mais de 300 drones e mísseis. O ataque, frustrado pelo sistema de defesa de Israel e pelo apoio de forças americanas, francesas, britânicas e de alguns países árabes, inaugurou um imprevisível capítulo nos conflitos da região. Por esse motivo, vários go

Artigo de Carlos Alberto Di Franco, Estadão, 15/04/2024

  STF – democracia e golpe É muito sério o que está acontecendo no Brasil. Fala-se muito em tentativa de golpe. Ele não estará em plena execução? Bons propósitos não justificam o recurso a meios ilegais ou antiéticos. É a isso que, infelizmente, estamos assistindo no Brasil. A cada dia surgem novos sinais de abusos em nome da defesa da democracia. Não se protege a Constituição violando-a nem se fortalece o Estado de Direito sem o devido processo legal. Não julgo intenções, mas analiso fatos. O ativismo intenso de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), respaldado pelo silêncio cúmplice ou a omissão irresponsável de seus pares, tem gerado, aqui e lá fora, a percepção de forte insegurança jurídica, politização do Judiciário e crescente comprometimento da própria democracia. Os desvios, creio, começaram já vão lá cinco anos. A Corte passou a conduzir inquéritos secretos e excessivamente elásticos para apurar fake news. Nas mesmas condições, como bem lembrou editorial do jornal O E

Artigo de Demétrio Magnoli, O Globo, 15/04/2024

  A regulação democrática das redes precisa se concentrar no crime, não na mentira Objetivo deve ser identificar e processar os criminosos — e, ainda, responsabilizar as plataformas pelo impulsionamento do delito virtual Elon Musk venceu. No confronto que protagonizou com Alexandre de Moraes e o governo, foi acusado de atentar contra nada menos que a soberania nacional. Lula chegou a cobrar-lhe que troque carros elétricos, satélites e redes sociais pelo plantio de capim no Brasil. Disseram — até jornalistas! — que o bilionário “ousou” criticar o STF , como se isso equivalesse a matar Deus. No fim, porém, o presidente da Câmara enterrou o PL das Fake News, projeto de regulação legal das plataformas de redes sociais. O PL não morreu de Musk nem de Centrão. A causa mortis estava diagnosticada de antemão, em seu nome popular: só uma ditadura seria capaz de distinguir legalmente o discurso político verdadeiro do mentiroso. No fundo, é esse motivo por que existem eleições livres e competit

Editorial do Estadão, 14/04/2024

  A legítima crítica ao Supremo No seu transe salvacionista, o STF vê extremistas por toda parte, mas nem sempre a crítica é golpismo; ao contrário, há razões genuinamente democráticas para questionar o Supremo Ao contrário do que parecem pensar alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), criticar instituições democráticas não é necessariamente atacá-las ou ameaçá-las. Tampouco exigir sua autocontenção é ser extremista, e demandar que atuem conforme a lei não é deslegitimá-las. Ao contrário, quem faz tudo isso de boa-fé quer aperfeiçoá-las, isto é, quer instituições que não sejam ativistas, partidárias, arbitrárias, corporativistas ou pessoais. Pode parecer ocioso dizer que o debate público num ambiente genuinamente democrático presume total liberdade para questionar o poder, mas nos tempos que correm, em que as críticas aos exageros do STF são tomadas como atentados ao Estado Democrático de Direito, é o caso de relembrar que a opinião não pode ser criminalizada. É evidente que

Editorial do Estadão, 14/04/2024

  Vem aí outro penduricalho adquirido Senadores querem constitucionalizar mais um privilégio para juízes e procuradores O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e seu antecessor, Davi Alcolumbre, manobram para constitucionalizar mais um privilégio para juízes e procuradores: um adicional automático de 5% ao salário a cada cinco anos. A PEC do Quinquênio é uma iniciativa ultrajante do Congresso cultivada por decisões ultrajantes do Judiciário. Os proponentes alegam que não faz sentido um servidor no final de carreira receber quase o mesmo que um iniciante, que é preciso atrair talentos e que não haverá impacto fiscal porque a PEC está “associada” ao projeto de lei que barra supersalários além do teto. É sempre o mesmo estratagema: diagnosticam-se seletivamente distorções para propor remédios que consolidam mais privilégios e ampliam a distorção sistêmica. Não faz sentido salários similares no início e no fim de carreira. Mas a distorção na Justiça não é uma renda baixa no fim, e sim uma

Editorial do Estadão, 13/04/2024

  ‘Jeitinho’ é incompatível com a segurança jurídica Em vez de rejeitar a investida de Lula para retomar o poder estatal na Eletrobras, STF dá mais prazo para uma ‘conciliação’ que desmoraliza contratos firmados conforme o que manda a lei No dia 4 passado, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu dar mais 90 dias para a conclusão de uma negociação entre governo federal e Eletrobras, na qual a União reivindica maior poder de decisão na empresa, proporcional aos 42% que detém do capital. Se alguém quiser escrever um tratado sobre as razões pelas quais nosso risco país é altíssimo, o caso mencionado acima deve estar em destaque, no capítulo sobre insegurança jurídica e o descrédito de contratos firmados conforme o que manda a lei. Para começo de conversa, a petição do governo, com a assinatura do presidente Lula da Silva, encaminhada ao Supremo pela Advocacia-Geral da União (AGU) em maio do ano passado, deveria ter sido rejeitada logo de saída. Não se tr

Editorial do Estadão, 10/04/2024

  Liberdade intransitiva O País precisa conter o golpismo e se faz urgente a regulação das redes, mas nenhuma dessas tarefas pode prescindir da maior proteção contra autoritarismos: a liberdade de expressão Está na Constituição, em seu artigo 5.º, inciso IV, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, poucas coisas pareceram mais festejadas do que esse artigo – o mesmo segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e com garantia do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Estabeleceu-se ali também o veto a qualquer forma de censura e se definiram limites a esse direito fundamental: em situações de violação da intimidade, da honra, da vida privada e da imagem de outras pessoas. Em casos de calúnia, difamação e injúria, foi assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente do abuso da liberdade de expressão. Ou seja,

Editorial do Estadão, 09/04/2024

A Rainha de Copas do STF Ao mandar investigar Elon Musk após ter sido alvo de suas críticas, o ministro Alexandre de Moraes reforça o caráter arbitrário dos inquéritos sobre ‘fake news’ e milícias digitais O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que o empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter), fosse incluído no rol de investigados no longevo e vasto inquérito das “milícias digitais”. O crime que Musk teria cometido virou pecado capital por estas bandas: ele criticou as ordens de Moraes para suspender contas de bolsonaristas no X e afirmou que reativaria essas contas – o que ainda não fez. Só isso, basicamente. Mas foi o que bastou para irritar o mercurial ministro Moraes – cada vez mais parecido com a Rainha de Copas, a célebre tirana do País das Maravilhas que mandava cortar a cabeça de todo mundo que a contrariava. No fim de semana passado, Musk foi ao X para desfiar críticas à atuação do STF. Suas baterias se voltaram particular

Editorial da Folha de São Paulo, 09/04/2024

Embate com Musk cria armadilha para o STF Conflito expõe excessos de Moraes; para a Folha, liberdade para a circulação de ideias deve ser a mais ampla possível Em novo rompante de postagens, o empresário Elon Musk publicou uma sequência de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Nelas, acusou o magistrado de praticar censura ilegal e ameaçou desobedecer a restrições impostas a usuários da rede social. Moraes, em resposta, determinou a inclusão de Musk no inquérito que investiga a atuação e o financiamento de milícias digitais antidemocráticas. Ato seguinte, o bolsonarista Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira, fez uma live na rede social do bilionário, o X, da qual estava suspenso por ordem de Moraes. O fogo cruzado serve mais a iludir do que a esclarecer. Engrossa o caldo da polarização, dinâmica política que gera muito calor e pouca luz. No saldo, é provável que o embate seja mais benéfico ao bolsonarismo do que ao interesse público. Decerto

Artigo de Miguel de Almeida, O Globo, 08/04/2024

  Vou chamar o síndico Nascida na esquerda americana, dentro de sua realidade social e política, a gradação ideológica da pauta identitária não é consenso sequer entre os iguais Em seis situações, a política de cepa identitária assim se encontra neste início de outono: 1) o Tribunal de Justiça de São Paulo abriu concurso para o cargo de desembargador. Homens, fora! É um certame por merecimento somente para mulheres. Vivo, Raymundo Faoro ficaria na janela; 2) a veneranda USP, ancorada em sua Banca de Heteroidentificação, algo como um tribunal racial, rejeitou a inscrição de um aluno, dentro das cotas raciais, por não ser considerado “pardo” o suficiente. Qual Whitney Houston, ele tem “lábios afilados”; 3) a Fuvest, ligada à USP, indicou apenas livros de autoras para seu próximo vestibular; 4) o autor Itamar Vieira Junior, negro, vociferou contra uma crítica a seu novo livro, visto como incipiente, porque foi escrita por uma mulher branca; 5) o deputado Guilherme Boulos, do PSOL, nascido