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Mostrando postagens de 2021

Editorial da Folha de São Paulo, 31/12/2021

  Golpismo derrotado Arquitetura da democracia resiste a Bolsonaro; cumpre proteger setores cruciais Encerra-se um ano particularmente tumultuoso na política nacional, sobretudo pelo comportamento anômalo do presidente da República. Apesar dos percalços e da dissipação de energia cívica, a arquitetura da democracia brasileira resistiu ao golpismo aloprado. O apogeu da cavalgada autoritária aconteceu nas manifestações do Dia da Independência, mas ela foi desmoralizada em menos de 48 horas por ausência de materialidade. Jair Bolsonaro ameaçou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, com algo que nem soube enunciar —porque não há nada que o chefe de Estado possa fazer contra a autonomia de um Poder sob a Constituição de 1988. Atiçou a massa de fanáticos com mentiras sobre a urna eletrônica e com bravatas sobre sair morto do Palácio do Planalto. As eleições de 2022 ocorrerão normalmente sob a égide das urnas eletrônicas, e Bolsonaro sairá da sede do governo derrotado, não martir

Editorial do Estadão, 30/12/2021

  Um país conivente com a pobreza persistente O PIB per capita, que mede o nível de bem-estar médio da população, levará anos para retornar ao nível observado em 2013 Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 30 de dezembro de 2021 | 03h00 O empobrecimento da população, que se observa desde meados da década passada, deve se estender até o fim desta – isso se tudo correr bem. Numa projeção otimista, só em 2028 o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do País – medida que indica qual parcela de tudo o que se produz num ano caberia a cada habitante se a distribuição fosse perfeita – deverá voltar ao nível observado em 2013. Terão sido 15 anos em que o brasileiro ficou mais pobre e lentamente conseguiu se recuperar para então retornar ao ponto de onde havia saído. Em uma década e meia, o nível de bem-estar médio do brasileiro não terá avançado nada. Não faz muito tempo, as estatísticas econômicas e sociais sugeriam que o Brasil tinha optado por se tornar um país de renda média, situa

Artigo de Vera Magalhães, O Globo, 29/12/2021

O que Bolsonaro ganha com o caos? Por Vera Magalhães 29/12/2021 00:45 Há dois dias, no nosso quadro diário na CBN, Rodrigo Bocardi me pergunta: o que Jair Bolsonaro ganha com o caos que promove na vacinação, ou ao sair de férias pela segunda semana consecutiva enquanto a Bahia se afoga em chuvas? A pergunta diz respeito à lógica eleitoral mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato positivo em tanto retrocesso, diga-se. O Brasil tem adesão histórica à vacinação, que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar. Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de

Editorial do Estadão, 29/12/2021

  O Brasil não é como Bolsonaro A ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos Notas&Informações, O Estado de S.Paulo 29 de dezembro de 2021 | 03h00 O governo do presidente Jair Bolsonaro se ausentou do enfrentamento de quase todos os problemas que afligiram os brasileiros ao longo deste ano particularmente difícil. Não raras vezes, o próprio presidente foi a fonte das atribulações. Há duas razões para esse comportamento: a baixa estatura moral e intelectual de Bolsonaro para exercer a Presidência e sua notória inapetência para o trabalho. O resultado de três décadas de irrelevante vida pública revela que Bolsonaro nunca gostou do batente. A ascensão à Presidência não parece tê-lo feito mudar de ideia. Mas, por paradoxal que possa parecer, a ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos. Em 2021, o

Artigo de Carlos Andreazza, O Globo, 28/12/2021

  DINHEIRO PÚBLICO PRIVATIZADO Matou o Orçamento e foi às férias Por  Carlos Andreazza 28/12/2021 00:00 Pouco haverá de mais constrangedor do que o ministro da Economia plantando que trabalhou e trabalha ainda por resistir, mui inconformado, ao assalto patrimonialista contra o Orçamento; isso enquanto todas as suas gestões de defesa fiscalista — se fossem reais — fracassam, e ele, mui contrariado, reage evadindo-se em férias. Talvez seja uma modalidade liberal de protesto. Mata o Orçamento e vai às férias. Passeio que antecedeu a carga de outras corporações por aumento salarial a partir da concessão de reajuste, negociada por Paulo Guedes, a policiais federais, policiais rodoviários federais etc. Mas ele, aborrecido, viajou. Loteou o Orçamento — operador na partilha — e foi esfriar a cabeça. Lembremos essa parte do teatro — mais um ato em que o bode aboletou-se na sala. Bolsonaro, nalguma ditadura árabe, prometendo aumento a todo o funcionalismo federal. Então a sociedade, sacrificada

Coluna de Pedro Fernando Nery, Estadão, 28/12/2021

  A galinha do presidente Bolsonaro contratou mais estresse em 2022 ao defender reajuste salarial para os policiais Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo 28 de dezembro de 2021 | 04h00 A literatura que investiga a relação entre dinheiro e felicidade é repleta de achados que mostram que, mais importante para o bem-estar que o valor absoluto que alguém ganha, é o valor relativo – isto é, como este número se compara com o de conhecidos. Recentemente, pesquisadores das universidades de Boston e Rice publicaram o resultado de experimentos mostrando que indivíduos tendem a comparar seu salário com o salário máximo de um outro grupo – uma informação mais saliente que temos facilidade de guardar (Putnam-Farr e Morewedge, 2020). Depois de um período surpreendentemente longo sem reajustes salariais e com inflação alta, foi o dado o start nas campanhas salariais dos servidores públicos. O governo vinha conseguindo mudar a composição do Orçamento, aumentando por exemplo a fatia das transferên

Coluna de Ana Carla Abrão, Estadão, 28/12/2021

  Feliz 2023 Em 2022, ano de eleições, faremos a escolha que vai determinar os anos seguintes Ana Carla Abrão*, O Estado de S.Paulo 28 de dezembro de 2021 | 04h00 O ano de 2021 chega ao final com indicadores econômicos e sociais impactados pela pandemia, mas também por uma série de desarranjos e incertezas políticas. O teto de gastos ruiu sem que as discussões relevantes – e estruturais – fossem feitas. Reflexo das escolhas dos nossos gestores públicos, teremos mais dinheiro público para quem menos precisa e maiores parcelas do Orçamento federal – e de forma obscura – para bloquear a necessária renovação política. Reformas foram adiadas e/ou desfiguradas, um calote foi dado e a inflação voltou. Tudo permeado pelo negacionismo que nos custou milhares de vidas – e outras ainda custarão pelos seus impactos sobre pobreza, educação, saúde e segurança. Mas é na esperança de renovação que se depositam as alegrias de cada final de ano. São as perspectivas de uma vida melhor, de um mundo mais j

Coluna de Lenio Luiz Streck no Consultor Jurídico,16/12/2021

  "É o processo, estúpidos!" — A bizarra guerra contra o Direito 16 de dezembro de 2021, 8h00 Por Lenio Luiz Streck 1. Juiz julga mal e a culpa é do Tribunal? Já é de uso comum a metafórica resposta do assessor de Clinton, afirmando-lhe as razões pelas quais venceria as eleições: "É a economia, estúpido!" Como todo mundo usa a expressão para explicar muitas coisas óbvias, uso-a aqui para esclarecer uma questão jurídica-civilizatória para néscios, oportunistas, mal-intencionados e cínicos (são os que sabem que mentem e continuam a mentir sobre o tema). Depois das anulações de processos por crassos erros cometidos por juízes mal preparados e parciais como Moro, secundados por procuradores conluiadores como Dallagnol, virou moda bradar pelo fim do processo e das garantias. É chique criticar tribunais. Até mesmo tribunais criticam os tribunais. 2. As novas seitas (típicas) antijurídicas (e culpáveis!) Alguns são mais explícitos como os sardenberguianos (é uma seita que

Coluna de Míriam Leitão, O Globo, 16/12/2021

  Economia agrava piora do governo Por Míriam Leitão 16/12/2021 04:30 O maior banco central do mundo alterou a avaliação que fazia da inflação. O Fed suprimiu a palavra “temporária” com que definia a inflação e avisou que no ano que vem vai acelerar a retirada dos estímulos e começar a subir os juros. Haverá pelo menos três altas nas taxas. Isso piora muito o cenário para a economia brasileira, que já está enfrentando dificuldades com um governo que tem perdido apoio político, após três anos de desastrada condução do país. Ontem o Banco Central brasileiro anunciou que pelos seus cálculos a economia encolheu 0,4% em outubro, na véspera o IBGE avisou que o setor de serviços caiu 1,2%. A economia será um dos grandes temas da eleição do ano que vem, e ela não vai nada bem. Os indicadores mostram que o país continua estagnado, sem capacidade de voltar a crescer. Há uma sequência de números negativos até outubro: a indústria cai há seis meses seguidos, o comércio, há três, e os serviços, há

Editorial do Estadão, 16/12/2021

  Estranha decisão no caso da boate Kiss Além de atropelar a competência do STJ, a decisão do presidente do Supremo é um convite nada sutil para reabrir a discussão sobre o início do cumprimento da pena Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 16 de dezembro de 2021 | 03h00 Suspendendo a liminar concedida em sede de habeas corpus pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, determinou o imediato cumprimento das penas aplicadas aos quatro condenados no caso do incêndio na boate Kiss. Além de atropelar a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a decisão de Luiz Fux representa uma tentativa de reabrir, por vias tortas, a discussão sobre o início da execução da pena, discussão essa na qual o presidente do Supremo foi voto vencido. Sempre, mas especialmente em questões penais, o Poder Judiciário não pode estar refém das idiossincrasias de um magistrado. Deve-se, em primeiro lugar, reconhe

Artigo de Pedro Fernando Nery, Estadão, 14/12/2021

  Lamento a perda de referências que as famílias passam para seus filhos, como a honradez Obama parece resumir a masculinidade a uma palavra. E é cuidado. Será então que o Brasil vive uma crise de masculinidade? Pedro Fernando Nery*, O Estado de S.Paulo 14 de dezembro de 2021 | 04h00 Aconteceu de novo. Agora, foi o ministro da Saúde , um médico, desprezando a vida da população no exercício de uma posição de comando que deveria ser nobre. Sobre a exigência de vacinação contra a praga, disse que era melhor perder a vida do que a liberdade. Como o leitor, pensei em várias adjetivações impolidas ouvindo a fala. Mas pensei também na falta de hombridade. “Onde foram parar os machos?”, escreveu há alguns anos um articulista bolsonarista, em uma provocação que repercutiu na internet. Ele se referia a um excesso de fragilidade, de sensibilidade, de um certo homem moderno. Não é a isso que me refiro. Refiro-me mais à molecagem. Como a do general que se vacina no escuro ou troça da doença ante

Editorial do Estadão, 11/12/2021

  A entropia que nada produz Bolsonaro é um presidente fraco que paga caro para não ser importunado pelo Congresso enquanto finge que governa o Brasil Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 11 de dezembro de 2021 | 03h00 A incapacidade de Jair Bolsonaro para exercer a Presidência da República está diante dos olhos de qualquer cidadão atento ao que se passa no País nos últimos três anos, mas também pode ser medida por critérios mais objetivos. Um levantamento feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), centro de estudos vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), revelou que Bolsonaro é o presidente que menos aprovou projetos legislativos de seu interesse nestas mais de três décadas desde a redemocratização. Neste ano, apenas 27,7% dos projetos enviados pelo Executivo ao Legislativo foram aprovados. Em 2019, mesmo com a alta popularidade de um recém-eleito, Bolsonaro só conseguiu aprovar 30% de suas proposições, um recorde negativo anotado já no prime

Artigo de Malu Gaspar, O Globo, 09/12/2021

A eleição do cinismo Por  Malu Gaspar  09/12/2021 04:31 Todo mundo que vive da política sabe que, sem cinismo, não se sobrevive na atividade. O cinismo permite fazer do inimigo de ontem o aliado de amanhã. Permite mudanças de rumo antes injustificáveis. Permite governar. Mas, acima de tudo, permite disputar eleições. Os mesmos marqueteiros que convencionaram que o pleito de 2018 foi da indignação com o sistema e da escolha de um outsider agora vêm afirmando que, em 2022, a tônica serão a inflação e a fome. Até agora, porém, está claro é que em 2022 teremos a eleição do cinismo. No Congresso, todo o esforço tem sido para conseguir recursos abundantes e livres de fiscalização ou de limites de qualquer natureza para o ano eleitoral — dos R$ 16 bilhões do orçamento secreto aos R$ 65 bilhões com a mudança nas regras do teto de gastos, passando  pelos R$ 3,28 bilhões das emendas Pix , que pingam diretamente nas bases sem escala ou fiscalização. Mas é tudo para o bem, claro. Afinal, o Auxílio

Editorial do Estadão, 09/12/2021

  Almas gêmeas Escandalosamente conivente com o governo Bolsonaro, o PT nunca atuou seriamente para responsabilizar o presidente pelos seus atos. Lula precisa de Bolsonaro desimpedido Notas & Informações, O Estado de S.Paulo 09 de dezembro de 2021 | 03h00 Não é raro ouvir o discurso de que o presidente Jair Bolsonaro tem sido ineficaz na promoção de suas promessas de campanha – em especial, das reformas econômicas – em razão da forte oposição que supostamente encontrou nos partidos de esquerda. O PT e seus satélites não teriam dado nenhuma trégua àquele que os bolsonaristas radicais dizem ser o primeiro governo “realmente de direita” do País. É interessante que essa narrativa não é repetida apenas pelo bolsonarismo. O PT tenta se apresentar como contundente oposição contra o governo Bolsonaro. No entanto, apesar de servir a interesses de petistas e bolsonaristas, esse discurso não tem nenhum apoio na realidade. Os fatos mostram que o PT tem sido escandalosamente conivente com o gov

Coluna de Carlos Andreazza, O Globo, 07/12/2021

  O BOLSONARISMO NO SUPREMO Como se faz um Mendonça Por  Carlos Andreazza 07/12/2021 • 06:00 André Mendonça é ministro do Supremo. Pode-se afirmar que tinha, no momento da sabatina, saber jurídico maior que o de Dias Toffoli quando de sua inquirição no Senado; ambos, um como ministro da Justiça, o outro, como guarda da Constituição, tendo usado a autocrática Lei de Segurança Nacional — que confunde a defesa impessoal de Poderes com a proteção personalista do poderoso de turno — contra o que consideraram ameaças institucionais à República, o primeiro para intimidar críticos de Jair Bolsonaro, o segundo com censura a uma revista, a Crusoé, cuja investigação lhe fora desagradável. Aos que já reagem dizendo que não se podem comparar atos discricionários de Toffoli/Moraes, porque centrados em bandidos bolsonaristas, com os de Mendonça, cujo ministério abrigou dossiê contra servidores, pergunto se não terá sido essa relativização do bem, pela causa virtuosa, uma das máquinas a asfaltar a est

Editorial do Estadão, 21/11/2021

  O jornalismo ainda mais necessário Perante um governo hostil à transparência e aos fatos, o jornalismo torna-se ainda mais relevante. Sem a imprensa, o orçamento secreto ainda estaria funcionando Notas&Informações, O Estado de S.Paulo 21 de novembro de 2021 | 03h00 Durante a campanha de 2018, Jair Bolsonaro fez da crítica à imprensa uma bandeira política. Depois, ao assumir a Presidência da República, transformou essa hostilidade aos meios de comunicação independentes em política de governo. Bolsonaro chegou a editar medidas provisórias alterando abruptamente as regras de publicação de editais e documentos societários apenas para, assim reconheceu expressamente, prejudicar os órgãos de imprensa. Tudo isso fez aquele que se apresentou como liberal e defensor das liberdades civis. Só enganou quem quis ser enganado, pois Jair Bolsonaro nunca foi um democrata. Sua dedicação política sempre esteve voltada à apologia da ditadura militar e da tortura, o que revela quão obtusa é sua v