O ATREVIMENTO NÃO TEM LIMITES
por Augusto Nunes, no Jornal do Brasil

Em países obedientes à lei, os chefes do MST e sucursais estariam na cadeia, recolhidos à ala dos compulsivos atropeladores das normas em vigor, sobretudo as que regem o direito de propriedade. Em países civilizados, estariam no circo, dividindo a curiosidade da platéia com outras extravagâncias e antigüidades. Como o Brasil não é uma coisa nem outra, esses nostálgicos de cartilhas do século 18 circulam livremente pelos campos e cidades, espancando com crescente desembaraço os códigos legais e o bom senso.
Caso fossem obrigados a instalar-se nas terras que reivindicam, e a cultivá-las por conta própria, os líderes do buquê de siglas ficariam mal aos olhos dos lavradores de verdade. Quase todos sabem de cor longos textos de Karl Marx e dúzias de frases de Guevara. Mas não distinguem um boi de um bode. Se tivessem de lidar com foices e martelos que conhecem só de vista, poucos escapariam da automutilação. Como trocaram desde sempre o trabalho pelo falatório, não se arriscam a estágios no pronto-socorro.

Assim, sobra-lhes tempo para estudar a diversificação dos alvos. Há meses, Bruno Maranhão, único revolucionário do planeta que vive (muito bem) com a mesada da mãe, liderou a depredação do Congresso. Em liberdade, deve ter colaborado com Stédile e o resto da turma na escolha de outro alvo surpreendente: o porto de Maceió, no litoral de Alagoas.

Na semana passada, mais de 5 mil militantes, adestrados na invasão de fazendas ou prédios e na interdição de rodovias, participaram do ataque ao porto com o ímpeto de quem conquista um forte sobre o penhasco. Durante horas, ficou proibida a entrada ou saída dos 3 mil caminhões que usam diariamente as instalações portuárias. Nenhum navio zarpou, nenhum pôde ancorar. Nenhuma carga embarcou, nenhuma foi desembarcada.

Estariam os invasores inaugurando uma nova etapa na saga do movimento, agora para lançar-se à exploração de fazendas marinhas? Teriam os guerreiros sem-terra decidido subtrair aos aristocratas das águas o monopólio da lagosta, do camarão e do siri? Nada disso. A ofensiva foi concebida para exigir do governo federal "agilidade na desapropriação dos 20 mil hectares da Usina Agrisa", no interior do Estado.

Enquanto o sertão não vira mar, o MST agiu na costa para extorquir terras na Zona da Mata alagoana. Deu certo. Com a rapidez dos pusilânimes, o ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, determinou ao Incra o pronto atendimento à reivindicação da companheirada, que topou liberar o porto.

Com voz branda e modos polidos, Cassel limitou-se a lamentar a pressa dos invasores: poderiam ter esperado mais alguns dias pelas terras da usina. É bom que trate de acostumar-se. Segundo Stédile, o próximo ano será pior que este. "Lula, não nos tome como compadres", advertiu o comandante do MST, num recado direto ao presidente da República. "Nossa paciência tem limites".

O que não tem limites é a tolerância de autoridades encarregadas de aplicar a lei e defender a ordem democrática. O que também parece sem limites é a paciência dos brasileiros decentes, agredidos sem tréguas pela bandidagem com padrinhos federais e movida pela certeza da eterna impunidade.

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