Análise perfeita!

O gigante Brasil foi empurrado para o joguinho dos pequenos
A vitória de Chávez era uma certeza, a dúvida é apenas saber quanto tempo dura o novo tipo de populismo sul-americano pelo qual o Brasil está cercado. Promete durar bastante. Suas conseqüências, da mesma maneira, prometem ser das piores. Mas não é assim que o governo brasileiro encara os recentes resultados eleitorais na Bolívia, Equador e Venezuela -e nem a provável reeleição de Kirchner na Argentina.
O problema aqui não é simpatia ou antipatia em relação a Chávez, Evo Morales e Correa. Trata-se de examinar em que a articulação das políticas anunciadas pelos dirigentes desses três países (em parte com a Argentina) nos interessa ou nos prejudica. Argentina e Bolívia dão a sensação de que defendem o que lhes importa com mais ênfase, e êxito, sobretudo quando lidam com o Brasil. O novo governo do Equador, e suas declarações contraditórias, só trazem incertezas a empresas estrangeiras que investem lá, como a Petrobras.
O caso da Venezuela é mais grave. Chávez é um populista e demagogo clássico em certo sentido: acredita é na própria pessoa -idéias, visões, projetos e programas são secundários, e servem apenas aos próprios interesses. Elevou um assistencialismo que é pouco mais do que distribuição de esmolas ao pretenso patamar de programas de erradicação de pobreza. Mas criou discípulos, cultivados em parte com dinheiro do petróleo, e faz do Brasil um grandão bobo.
Se fosse só discurso, poderíamos ouvir a Chávez (como se ouve a Fidel) com aquela benevolência composta de boa educação e interesse antropológico, e com a qual se costuma encarar indivíduos, e países, de idéias estapafúrdias e grau de periculosidade nulo. Mas não é. O presidente da Venezuela, apoiado pelo governo argentino, conseguiu impedir, por exemplo, que a Marinha brasileira participasse de manobras conjuntas com a Marinha dos Estados Unidos.
Os exercícios, conhecido como Unita, são tradicionais e proporcionam aos almirantes brasileiros uma extraordinária possibilidade de atualização em equipamentos e procedimentos -já que não têm verbas para modernização em ampla escala. Este ano não foram realizados, depois de a Venezuela bater o pé numa reunião realizada há pouco mais de um mês em Buenos Aires (mas exercícios idênticos aconteceram no lado do Pacífico na América do Sul). Decepcionados, os militares brasileiros não escondem um sorriso: os americanos prometem passear pelo Atlântico Sul, no começo do ano que vem, com um "battle group" em torno de um porta aviões. Em outras palavras, vão fazer uma demonstração de força.
Não se sabe qual é a procedência nem a qualidade das informações obtidas pelos serviços de inteligência das Forças Armadas brasileiras, mas circula nos altos escalões em Brasília a versão de que Chávez estaria armando milícias na Bolívia -com os fuzis antigos dos quais ele não precisa mais, depois da importação de 100 mil armas novas para infantaria. O simples fato desses comentários vazarem dão uma idéia do tipo de tensão interna que o presidente Chávez está provocando.
Ele está sendo indiretamente ajudado pelos acontecimentos em Washington. Por razões protecionistas, os democratas que retomaram o controle das duas casas no Congresso provavelmente impedirão a ratificação de um acordo de comércio bilateral entre o Peru e os Estados Unidos. E não renovarão a autorização para que Bush negocie outros acordos comerciais com a região -a ignorância dos americanos em relação à América Latina (resultado, nos tempos recentes, da pouquíssima importância que atribuem à área) é mais perigosa ainda do que sua arrogância no trato com os vizinhos do Sul.
Políticos como Chávez, Morales, Correa e, em boa parte, Kirchner vivem de se afirmar contra inimigos reais ou imaginários. Agem notoriamente como donos da verdade, como autodenominados defensores dos pobres e oprimidos (quando, na verdade, os exploram impiedosamente para fins políticos), manipulam o afago e a ameaça sem dar a mínima para os valores de instituições políticas. Seus programas econômicos sugerem ganhos eleitorais a curto prazo, mas nenhuma perspectiva de crescimento, prosperidade e estabilidade a médio e longo prazos.
Vizinhos irriquietos e barulhentos jamais interessaram ao Brasil. É estranho ver Lula, que em particular chama Evo Morales por palavrões impublicáveis e se diz "farto" da companhia indesejável de Chávez, encontrando-se tão freqüentemente com ambos e aparentemente articulando políticas comuns cujos resultados, do ponto de vista brasileiro, teimam em não aparecer. Ou não é nada estranho? Ou é só a admiração mal disfarçada pelo que Morales e Chávez por lá podem, mas que a (em termos relativos) sofisticação, complexidade e avanço das sociedade e instituições políticas brasileiras não permitem que aqui se repita?
Fez parte de décadas da política externa brasileira tentar jogar o jogo dos grandes como um grande, apesar de todas as dificuldades. É triste ver um gigante como o Brasil empurrado para o joguinho dos pequenos. E ainda fazendo o papel do grandalhão que aplaude a piada, sem perceber que a piada é ele mesmo.
William Waack (Portal G1)

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