| Sete Dias: A capitulação com desonra |
|
Augusto Nunes
Os cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara sabem tanto de boxe que bastou desembarcarem no Rio para que os concorrentes inscritos no Pan-2007 se conformassem com a disputa de medalhas de prata ou bronze: a de ouro já tinha dono. E sabem tudo de Cuba. Aprenderam faz tempo, por exemplo, que o direito de ir e vir foi revogado por Fidel Castro há quase 50 anos. Desde então, cubanos não partem. Cubanos fogem. Ambos sabem que todas as fugas são perigosas, mas descobriram há alguns anos que os riscos diminuem sensivelmente quando protagonizadas por grandes atletas. Há sempre empresários que, ansiosos por contratá-los, encurtam os caminhos que conduzem à liberdade (e a lutas muito lucrativas). Sobram países decididos a acolher, amparar e proteger os passageiros do medo. Foi assim com os craques da seleção de vôlei que hoje brilham na Itália. Foi assim com tantos atletas cubanos espalhados pelo mundo. Assim seria com os pugilistas se tivessem escolhido, como ponto de partida para a viagem, um porto efetivamente seguro. A escolha que fizeram atesta que Rigondeaux e Lara pouco sabem do Brasil real. Deixaram o alojamento certos de que estavam num país democrático, governado por gente que reage com altivez a rugidos autoritários. Descobriram tardiamente que, na era Lula, amizade vale mais que honra. Ironicamente, a "democracia relativa" parida nos quartéis da ditadura balança no berçário do PT. A pedido de Fidel, o governo Lula intensificou a caçada a dois cidadãos que não tinham cometido crime nenhum. E os lutadores que sonhavam com a Alemanha foram devolvidos ao pesadelo. Mantidos à distância dos prisioneiros, jornalistas e advogados tiveram os tímpanos agredidos pela bisonha versão dos carcereiros, endossada por figurões federais. Os fugitivos jamais quiseram fugir, esclareceram os policiais. Mais que isso: não viam a hora de voltar para Cuba. Então, por que haviam abandonado o alojamento? Para conferir a competência das prostitutas brasileiras, sorriu um sherloque. Por que haviam procurado o consulado da Alemanha em busca do visto de entrada naquele país? Culpa de malfeitores fantasiados de empresários, que usaram até drogas para dissuadir as vítimas da idéia de voltar para Cuba a nado, tamanha era a saudade. Saudade da família. Saudade da terra. Saudade do Comandante Supremo. Fidel, este sim, estava ansioso por recebê-los. Não para matar a saudade. Nem para felicitá-los pelo regresso ou pela pronta correção do equívoco. O ditador só esperava a dupla para anunciar, na presença dos supliciados, a primeira estação do calvário. "Os dois estão fora dos Jogos Olímpicos", avisou. Foi só o começo, logo se verá. O Brasil de Lula, sabe-se agora, é muito perigoso para cubanos em fuga e hostil a exilados procedentes de primos ideológicos. O embaixador de Cuba fez questão de visitar o Planalto para exaltar o bom trabalho. Pela primeira vez, um país foi cumprimentado pela capitulação com desonra.
(Jornal do Brasil, 19/08/07) |
Editorial do Estadão, 09/11/2025 - "A arte do cancelamento"
A arte do cancelamento Bienal de São Paulo levou a cultura do cancelamento aos extremos do ridículo ao impedir a participação de uma palestrante por causa dos pecados de um parente que morreu faz cem anos A Bienal de São Paulo cancelou um debate com a princesa Marie-Esméralda da Bélgica. Não por suas opiniões – o que já seria constrangedoramente autoritário. Marie-Esméralda, por sinal, é ambientalista, feminista e defensora dos indígenas. Mas ela foi condenada por associação a um parente de quarta geração morto há mais de um século: Leopoldo II – o monarca responsável por atrocidades no Congo. “Trate cada homem segundo o que merece, e quem escapará ao açoite?”, indagava o príncipe Hamlet. Imagine ser tratado segundo os deméritos do seu tio-bisavô? O que os diretores da Bienal sabem das eventuais transgressões de suas avós ou de seus tataravôs? Se o leitor tiver um tio ou irmão delinquente, deve pagar por ele? É a volta do Santo Ofício – agora de cabelo colorido e crachá de curado...
Comentários