Vera Magalhães, O Globo, 12/10/2022 - Ataques premeditados e encadeados

 Ataques premeditados e encadeados


Investidas contra STF, pesquisas e urnas são coordenadas e visam minar confiança da população na democracia


Por Vera Magalhães
12/10/2022 00h08 Atualizado 12/10/2022


Não brotaram por geração espontânea, devido ao resultado do primeiro turno, nem são fenômenos estanques os ataques do presidente Jair Bolsonaro e de sua tropa eleita ou reeleita aos institutos de pesquisas, às urnas eletrônicas e ao Supremo Tribunal Federal (STF). São coordenados, encadeados e premeditados. Atendem a uma estratégia clara — e eficiente — de minar a confiança da população em instituições e em instrumentos de informação imprescindíveis na democracia.

Bolsonaro fala em mexer na configuração do STF desde 2018. Também naquela ocasião, seu então candidato a vice, Hamilton Mourão, hoje vice-presidente da República e senador eleito pelo Rio Grande do Sul, aventou a possibilidade de autogolpe e defendia uma Constituinte de notáveis para mudar, entre outros tópicos, a maneira de indicar ministros para o Supremo.

A investida contra o STF não vem de hoje. Foi uma construção de quatro anos de governo e contou sempre com uma estratégia clara: vilanizar a cada vez um ministro, atribuindo a eles características de personagens, como forma de gerar engajamento.

Funcionou de tal forma que uma parcela enorme do eleitorado assiste passivamente ao presidente, em plena disputa eleitoral, chantagear abertamente o Judiciário dizendo que pode suspender (até quando?) a ameaça de colocar suas bancadas para aprovar a criação de novas cadeiras na Corte caso os ministros peguem mais leve com ele.

Enquanto isso, Mourão, de forma também bastante explícita, enuncia uma série de medidas que seriam adotadas para colocar o Judiciário no cercadinho — além do aumento de cadeiras, também mandato para os integrantes do Supremo e alguma ingerência do Congresso para impedir decisões monocráticas de seus integrantes.

A tática de manter instituições na berlinda não se volta apenas para a Justiça, estende-se aos institutos de pesquisas. Afinal, se não captaram o crescimento de Bolsonaro no primeiro turno, como confiar nos levantamentos de agora?

Ao acenar com penas duras contra os responsáveis por essas empresas e com um inquérito da Polícia Federal determinado pessoalmente pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, em plena vigência do processo eleitoral, pretende-se que os institutos se recolham, coloquem freios e filtros na própria atividade.

É evidente a tentativa de estrangular também financeiramente as empresas, uma vez que, envolvidas por um manto de falta de credibilidade criado por forças políticas, elas poderão ter dificuldade de encontrar contratantes no futuro.

Muita gente viu na mudança de foco para as pesquisas uma “admissão” por Bolsonaro e pelos seus de que o primeiro turno foi limpo. Seria preciso não ter acompanhado os últimos quatro anos para acreditar em algo assim. A demonização das pesquisas é só uma forma de manter a militância mobilizada para, em caso de derrota de Bolsonaro para Lula, aí sim apontar um complô com institutos, imprensa, Judiciário e urnas, o rol completo de vilões.

Tanto que, diante da cobrança por parte do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que as Forças Armadas, que tanta questão fizeram de auditar urnas, divulguem o relatório de seu trabalho, Bolsonaro quebrou o silêncio.

Não só segurou a divulgação das conclusões, algo que de novo coloca os militares na condição de ser usados por ele como peças no jogo eleitoral, como inventou uma nova forma de caos: quer que seus apoiadores façam vigília nas seções eleitorais até a divulgação do resultado da eleição.

Bolsonaro joga escancaradamente na confusão. Tenta tumultuar um processo de votação que se mostrou tranquilo e eficaz no primeiro turno, a despeito das longas filas. Tudo premeditado, encadeado e com fases coordenadas até o objetivo final.

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