Terceiro edital do Estadão, 26/10/2022

A inflação está de novo às claras


Após dois meses de desinflação, índice reaparece com sinal positivo, passado o efeito das medidas eleitoreiras


Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
26 de outubro de 2022 | 03h00


Cinco dias antes do segundo turno, a inflação se tornou visível, de novo, nos números oficiais, depois de dois meses oculta com sinal negativo. A prévia de outubro, ainda discreta, bateu em 0,16%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). Os últimos levantamentos haviam apontado desinflação de 0,73% em agosto e de 0,37% em setembro. Nesse bimestre, o indicador foi derrubado pela redução de impostos sobre combustíveis, medida proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, aprovada no Congresso e imposta aos governadores com grandes custos financeiros para os Estados. O corte de tributos derrubou alguns preços e isso se refletiu no índice geral, mas com efeito temporário.

Baratear um produto ou alguns produtos por meio de intervenção política pode conter a alta do índice geral por algum tempo, mas sem eliminar de fato a inflação. O impulso inflacionário pode resultar de vários fatores, como a demanda interna mais ou menos intensa, a elevação e o repasse de custos.

Por trás desses fenômenos podem estar as condições do mercado internacional, o desajuste das contas públicas e, tipicamente, o volume de dinheiro disponível no mercado. A valorização do dólar, associada à insegurança dos investidores, tem sido um fator inflacionário frequente, principalmente por afetar os preços em reais de produtos comercializados internacionalmente.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, nada fez, diante do surto inflacionário recente, além de propor a redução de impostos e pressionar a diretoria da Petrobras para evitar aumentos de preços. Enquanto isso, aumentou gastos públicos para fins eleitoreiros, causou maior insegurança no mercado financeiro e criou condições favoráveis à valorização do dólar. Ao cuidar de seus objetivos pessoais, alimentou incertezas sobre as contas públicas e tornou mais opaco o cenário futuro.

As intervenções no mercado de combustíveis favoreceram principalmente caminhoneiros e donos de automóveis. Os pobres continuaram pagando caro pela comida. Em 12 meses os combustíveis para veículos ficaram 18,97% mais baratos, enquanto o custo de alimentos e bebidas subiu 11,43%, segundo o IPCA-15. Nesse período, o gás de cozinha encareceu 13,69% e o vestuário, 18,46%. Em outubro, o custo do item saúde e cuidados pessoais subiu 0,80% e foi um dos principais componentes da inflação. Em 12 meses esse custo cresceu 9,87%.

Com alta de 4,80% ao longo do ano e de 6,85% em 12 meses, o IPCA-15 prenuncia uma inflação acumulada, em 2022, dificilmente inferior àquela estimada pelo mercado e incluída no boletim Focus, de 5,60%. Mais uma vez, portanto, os preços ao consumidor terão ficado bem acima do centro do alvo, de 3,50%, e do limite de tolerância, fixado em 5% para este ano. Novo estouro poderá ocorrer em 2023, se o desarranjo das contas federais for tão amplo quanto se prevê, como consequência das bondades eleitoreiras. Nesse quadro, o Banco Central só poderá reduzir lentamente os juros básicos. Com isso se manterá um forte entrave ao crescimento econômico.

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