Sobre a missa em latim

Li no blog do ilustre advogado, Dr. Nério, críticas sobre a volta da missa em latim. Alguns esclarecimentos devem ser feitos para perfeita compreensão do tema. Primeiro, a notícia teve origem em reportagem publicada no jornal "Times", de Londres, ou seja, não é oficial do Vaticano. Seria de boa cautela, antes de criticá-la, esperar a sua confirmação. Segundo, ela não afirma o fato mas supõe a sua possibilidade, já que o verbo do cerne da nota está no futuro do pretérito. Basta ler o texto, que diz: o Papa teria assinado a autorização; Não há afirmação, visto que para isto, teria de ser utilizado o verbo em outro tempo: O Papa assinou. Além disso, na sequência, é informado que o uso do latim ficaria a critério de cada Bispo, como já é hoje. A notícia não tem qualquer importância quanto à Doutrina da Igreja Católica. Talvez seja uma medida de padronização das celebrações da missa, o que é bom. Mas, na essência, não se lhe pode dar a importância que não possui, considerando que Deus entende todas as línguas, vivas ou mortas. Aliás, deve entender muito mais o coração das pessoas.

Não é verdadeiro dizer que a Igreja Católica se utilizou da doutrina cristã cultuada em latim para dominar os povos e que no decorrer dos anos ela "inventou" inúmeros motivos para celebrar a missa nessa língua. O latim existe desde 600 anos antes de Cristo, de forma documentada. Era a língua mundial (considerando-se que o Império Romano dominava quase todo o mundo conhecido à época). Portanto, natural que a Igreja, nascida no mundo romano e, depois, sediada em Roma, se utilizasse dela, como todos de então. Com o passar dos séculos e surgimento de novos idiomas, era muito mais prático manter-se uma língua padrão para a Igreja Católica na celebração de sua liturgia. Facilitava a todos seus membros, além de ser observada a tradição. Isto não significava relegar a segundo plano a língua local para ensinar a Doutrina. Pelo contrário: em qualquer lugar onde se ensinam os princípios do Catolicismo, é utilizada a língua pátria. Não teria sentido ensinar em latim, visto que implicaria na necessidade de ensinar a nova língua aos neófitos, o que não é fácil. Os evangelizadores aprendem a língua dos nativos. Tanto que o Beato Padre José de Anchieta, que chegou ao Brasil em 1.553 e, em 1.554, junto com o Padre Manoel da Nóbrega fundou São Paulo, catequizava os índios na língua tupi e chegou a publicar, em 1.595, a primeira gramática dessa língua. Até hoje é assim. Em Naviraí há padres filipinos que nos ensinam as questões da fé na língua portuguesa. O Papa, os Bispos, os Cardeais e outros membros do clero utilizam-se do latim em suas comunicações por ser a língua oficial da Igreja Católica. Os documentos oficiais são todos escritos em latim. O que mudou, após o Concílio Vaticano II, foi a possbilidade de utilização da língua nativa para a celebração da Santa Missa, sem que ficasse extinto o uso do latim para o mesmo fim, o que ainda ocorre. Trazendo esta conduta para o mundano: a diplomacia tem como língua oficial o francês e o comércio, o inglês. Qual o problema? Trata-se de uma certa padronização que facilita a vida de todos. Não tem nada a ver com Doutrina Religiosa.

Quanto a Jesus pregar a Verdade e a Vida, concordo com o Dr. Nério. E acrescento: Ele não somente prega a Verdade e a Vida como disse ser o Caminho. Mas isto não tem nada a ver com latim, javanês, português ou inglês. A fé e a oração não têm língua. O uso de qualquer delas não vai contra os princípios cristãos ou de qualquer outra religião. E, como disse acima: embora no catolicismo a celebração da Santa Missa possa ser em latim, o ensino da fé e da doutrina sempre são feitos na língua local, considerando que os documentos oficiais da Igreja, após publicados em latim, são traduzidos para os mais variados idiomas dos países onde há católicos e transmitidos a eles em sua língua nativa pelos pastores.

A circunstância de Martinho Lutero ter defendido a tese de que deveria ser utilizada a língua local para perfeito conhecimento, por parte dos fiéis, da Doutrina Cristã, não dá legitimidade para a pergunta lançada em seguida: "Será que o Papa quer voltar a dominar os povos pela ignorância?" É absolutamente sem sentido o questionamento. A uma, porque o Papa nunca dominou os povos; quando muito, a Igreja Católica os catequizou, utilizado aqui o verbo no sentido de instrução em matéria religiosa. A duas, porque celebrar a missa em latim, uma "língua morta da Roma antiga" como afirma o Dr. Nério, com a intenção de dominar o mundo, não teria sequer sentido lógico. Se houvesse esta intenção poderia se dizer, jocosamente, que deveria ser utilizado logo o inglês, falado e entendido, hoje em dia, por qualquer menino de qualquer lugar do mundo. Veja-se, a respeito, os nossos "caipiras" que agora dançam o "country", tomam coca-cola e comem hamburguer. A três, porque se Jesus não disse para ser cultuado em latim - o que, de fato, não fez - também não determinou língua específica para tal. Mesmo porque, como já afirmei antes, não se cultua Deus pela língua falada, mas pelo coração. A quatro, porque a Igreja utiliza-se da língua local para transmitir, aos católicos, os ensinamentos doutrinários. Tanto que quem quiser inteirar-se dos seus ensinamentos não precisa fazê-lo em latim. Se brasileiro, poderá aprender tudo sobre o catolicismo em português.

Finalizando: Não há necessidade de pedir perdão a Deus pelo que se escreve. A não ser que estejamos conscientes de que o ofendemos. E não creio que o Dr. Nério tenha praticado qualquer ofensa, muito menos aos católicos. O post, na verdade, revela falta de conhecimento da Igreja Católica, o que é, de certa forma, comum no mundo de hoje. Para encerrar de vez: Papa se escreve com "P" maiúsculo.

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