Editorial do Estadão, 24/01/2024

 A nova velha política industrial


Plano anunciado pelo governo Lula reedita medidas fracassadas do passado recente e ignora o fato de que o declínio da indústria brasileira antecede em décadas a pandemia de covid-19


O governo finalmente lançou seu plano para reindustrializar o País. De novo mesmo, apenas o nome. A Nova Indústria Brasil (NIB), elaborada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), reedita várias das medidas testadas e reprovadas num passado recente, e o esforço do governo para negar as semelhanças não convenceu quase ninguém.

O plano pretende resgatar o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Desde a pandemia de covid-19 e a consequente desestruturação das cadeias produtivas, vários países desenvolvidos têm apostado suas fichas em políticas industriais que promovam um crescimento mais inclusivo e sustentável e que diminuam a dependência dos produtos chineses, entre os quais Estados Unidos e Europa.

O Brasil parecia estar disposto a seguir esse caminho. Foi o que Lula da Silva e Geraldo Alckmin deram a entender no artigo Neoindustrialização para o Brasil que queremos, publicado por este jornal em 25 de maio do ano passado. No texto, destacaram a importância de investimentos em tecnologia e sofisticação produtiva, a necessidade de reduzir o custo Brasil, as oportunidades geradas pela transição energética e a urgência de formação de capital humano.

Não há motivos para se opor a essas ideias. Houve, de fato, pouquíssimo investimento em inovação e maquinário, os juros continuam muito elevados para financiar a produção, algumas empresas usam a agenda verde apenas para alavancar sua imagem (o chamado greenwashing) e falta mão de obra qualificada. Muitos segmentos da indústria sobrevivem à base de benefícios fiscais e nem assim conseguem exportar seus produtos a preços competitivos.

Propor soluções para enfrentar problemas é tarefa de qualquer governo responsável e cioso de suas obrigações. Mas, como Lula e Alckmin mencionaram no artigo, “fazer política industrial não é questão de ‘sim ou não’, mas de ‘como’”. E há razões de sobra para demonstrar muito ceticismo com a forma como o plano de reindustrialização do governo será posto em prática.

A principal ideia do programa reside no resgate do papel do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como protagonista da NIB no apoio às empresas. Serão R$ 300 bilhões até 2026, dos quais R$ 271 bilhões em empréstimos, R$ 21 bilhões não reembolsáveis e R$ 8 bilhões na aquisição de ações das empresas. Parte dos recursos será captada por Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCD) a serem lançadas pela própria instituição.

Não há como não lembrar do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), lançado em resposta à crise financeira global de 2008. À época, coube ao Tesouro emitir dívida para aportar mais de R$ 400 bilhões ao BNDES, recursos que foram emprestados em operações a taxas inferiores às de mercado a empresas escolhidas para serem “campeãs nacionais”. O BNDES, inclusive, tornou-se sócio de muitas delas. Em termos de crescimento econômico, os resultados do PSI foram pífios – quando não trágicos, como no caso dos setores de petróleo e da indústria naval, aos quais se impôs a exigência de conteúdo local.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, garante que dessa vez tudo será diferente. Em nenhum momento, no entanto, ele explicou como os custos e benefícios da nova política industrial serão acompanhados, avaliados e, sobretudo, revistos caso seus objetivos não venham a ser alcançados. De forma simplista, ele citou as políticas industriais adotadas por China, Estados Unidos e Europa no pós-pandemia, sem ponderar que o declínio da indústria brasileira antecede em décadas a chegada do novo coronavírus.

Uma política industrial séria deveria começar por um diagnóstico sobre as razões pelas quais isso ocorreu. Se a resposta são os juros altos, como parece ser o caso, não é por meio de medidas parafiscais que o problema será resolvido – pelo contrário. O desequilíbrio fiscal é a causa, não a consequência dos juros elevados, e a recusa do governo em compreender essa diferença não permite qualquer otimismo sobre os resultados dessa política.

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