Terceiro Editorial do Estadão, 19/03/2023

 

Juízes rebeldes

Opinião do Estadão

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Insurgência contra resolução do CNJ que determinou a volta ao trabalho presencial não pode passar impune

Desde o dia 16 de fevereiro, todos os magistrados e demais servidores do Poder Judiciário deveriam ter retornado ao trabalho presencial por força de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicada em novembro do ano passado. Foram três meses de preparação para a volta à realidade pré-pandemia, à qual, há ainda mais tempo, já voltaram os servidores dos Poderes Executivo e Legislativo.

Segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, a esmagadora maioria dos juízes (96%) e dos serventuários (83%) cumpriu a determinação do CNJ e voltou às suas comarcas na data estabelecida. Porém, um pequeno e barulhento grupo de juízes insurgentes ameaça não só a autoridade do CNJ, órgão responsável por zelar pela eficiência na prestação dos serviços judiciais no País, como, principalmente, a própria imagem da Justiça perante a sociedade.

O grupo rebelde, autodenominado “Respeito à Magistratura”, é composto por cerca de 800 juízes estaduais, federais e trabalhistas. Eles elaboraram um “manifesto” a fim de “orientar” seus colegas a descumprir o que consideram ser “atos administrativos manifestamente ilegais que violem a Lei Orgânica da Magistratura”. Pasme o leitor, é como tratam a resolução do CNJ.

Ora, é evidente que nada há de ilegal nessa resolução. Ao determinar a volta ao trabalho presencial, o CNJ apenas restabeleceu uma rotina à qual todos os magistrados e servidores estavam habituados até pouco tempo atrás, suspensa apenas em razão da pandemia.

Por trás dessa alegação está a defesa de interesses particulares e privilégios aos quais se aferrou essa minoria de juízes e servidores. Alguns tiveram o desplante de alegar que, em decorrência do trabalho remoto, fixaram residência no exterior e, portanto, estariam fisicamente impedidos de retornar aos postos de trabalho.

Dado o evidente abrandamento da pandemia, graças à vacinação, não há mais qualquer razão para que a prestação jurisdicional continue sendo realizada a distância. Nos momentos mais dramáticos da emergência sanitária, por óbvio, era melhor ter o socorro de juízes protegidos do vírus em suas casas do que não ter socorro algum. Mas essa crise já foi superada, de modo que o essencial contato presencial dos magistrados com as partes e seus respectivos advogados deve voltar a ser rotina.

Como muito bem disse ao Estadão o presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, desembargador Carlos França, “o magistrado tem de estar na comarca, conhecer sua unidade judiciária, conviver com a sociedade local, estar disponível para falar com advogados e para audiências”.

De fato, é “intolerável”, como classificou o ministro Salomão, que juízes se insurjam a um só tempo contra a Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura e uma resolução do CNJ bastante razoável apenas por suas idiossincrasias. Se estão em desacordo com as normas que regulamentam a profissão, que escolham outra. E, enquanto isso, que seus atos de flagrante indisciplina, em prejuízo do interesse público, sejam devidamente punidos.


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