Editorial do Estadão, 29/03/2023

 

‘Serenidade e paciência’ do BC

Opinião do Estadão


Sob forte ataque do governo Lula, que tudo faz para qualificá-lo como agente político de oposição, o Banco Central explicou didaticamente por que os juros devem ficar onde estão

A divulgação da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) era o evento econômico mais esperado da semana. A decisão que manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, na semana passada, não surpreendeu ninguém, e a publicação da ata da reunião, em condições normais, seria algo corriqueiro no calendário financeiro. Mas o comunicado divulgado logo após a reunião, especialmente o trecho em que o BC afirmou que não hesitaria em elevar a Selic caso fosse necessário, foi recebido como uma declaração de guerra pelo governo Lula da Silva.

De forma coordenada, diversos ministros vieram a público cobrar uma retratação, por meio da ata, por parte do BC. Até mesmo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, considerou o tom do documento equivocado e disse que os membros do colegiado teriam “esticado a corda”. Frustrando quem esperava ver na ata um novo capítulo dessa novela, o BC respondeu a essas críticas da melhor forma possível. Tecnicamente impecável, o documento trouxe muitos argumentos para justificar a manutenção da taxa básica de juros e foi de um raro didatismo que poderia ser muito bem aproveitado pelo governo neste momento de tantas incertezas.

A ata descreveu em detalhes a deterioração do cenário externo. Além da inflação global elevada e do mercado de trabalho aquecido, Estados Unidos e Europa têm agora o desafio de lidar com os efeitos de uma crise bancária que traz ainda mais volatilidade. Mesmo nesses países, os bancos centrais têm reforçado a austeridade, o que traz consequências à política monetária conduzida por países emergentes.

Internamente, há muitos indícios de desaceleração da economia, mas a inflação ao consumidor continua muito elevada. Esse comportamento, explicou o Banco Central, já era esperado. Se o primeiro estágio da dinâmica da desinflação afeta os preços administrados e os livres e costuma ser mais rápido e intenso, o segundo é bem mais lento, pois envolve a tendência geral dos preços e desconsidera distúrbios resultantes de choques temporários.

Parece bastante evidente que é nessa etapa que o País se encontra hoje. Depois de afetar os bens duráveis, a inflação se deslocou para o setor de serviços e tem demonstrado resiliência, o que reforça a importância de conter a demanda – e, consequentemente, a atividade econômica. “Tal processo demanda serenidade e paciência na condução da política monetária para garantir a convergência da inflação para suas metas”, disse a ata.

Os recados do BC reforçaram a importância das contribuições do governo nesse processo desinflacionário, especialmente no que diz respeito às expectativas. O BC reconheceu a importância da reoneração dos combustíveis e das estatísticas fiscais divulgadas pelo Ministério da Fazenda, mas frisou que não basta apenas apresentar uma nova âncora para alterar essas projeções.

Mudanças nas expectativas de inflação, nas projeções da dívida e nos preços dos ativos não são “mecânicas”, mas dependem fundamentalmente da percepção sobre a solidez e a credibilidade deste arcabouço. O mecanismo que substituirá o teto de gastos ainda precisa passar pelo primeiro teste – não foi nem apresentado, mas já tem sido boicotado por alguns ministros e por lideranças do PT.

A isso, somam-se as críticas de Lula ao regime de metas de inflação. Nem o fato de o Conselho Monetário Nacional (CMN) ter mantido as metas inalteradas até 2025 foi capaz de impedir uma desancoragem ainda mais acentuada das expectativas. A conclusão que a ata deixa implícita parece bastante lógica. Quando o presidente da República não acredita na importância da política fiscal, não é preciso mudar as metas para perceber a falta de disposição do governo em contribuir para atingi-las.

Da mesma forma, se o governo não consegue se unir em defesa do novo arcabouço, não há motivo para acreditar que ele será respeitado. Assim, resta ao BC batalhar sozinho contra a inflação, o que requer uma política monetária bem mais austera e uma dose de serenidade e paciência com quem se recusa a cumprir seu papel.

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