Editorial do Estadão, 25-03-2023

 

Todos perdem com a politização do STF

Opinião do Estadão


As próximas nomeações de ministros são decisivas para o futuro da Corte, que precisa reconstruir sua autoridade; Lula deve pensar no País, e não em si mesmo, ao fazer suas escolhas

Em maio, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), completará 75 anos, idade para a qual a Constituição estabelece aposentadoria compulsória no serviço público. Entre as movimentações relativas à sua substituição, cem entidades apresentaram um manifesto reivindicando ao presidente Lula da Silva a indicação de uma mulher negra para o Supremo. No documento, argumentam que “a composição dos órgãos deve guardar consonância com a diversidade da população” e que “nunca uma jurista negra” ocupou uma cadeira no STF, apesar de existirem “muitas mulheres negras com notório saber jurídico e reputação ilibada”. Agora, sustentam, é a oportunidade de suprimir essa lacuna histórica.

A indicação do nome para compor o STF é competência privativa do presidente da República, com avaliação do Senado. Tendo em vista a relevância da Corte constitucional para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, é muito saudável que a sociedade participe desse processo, expondo suas reivindicações e perspectivas. Nesse sentido, o Manifesto por Juristas Negras no STF é iniciativa natural.

Aqui se mencionam dois aspectos que exigem especial cuidado na nomeação do próximo ministro do STF. Em primeiro lugar, é preciso respeitar integralmente a Constituição. Além da questão da idade – acima de 35 anos e menos de 70 anos –, a pessoa indicada deve preencher dois requisitos muito sérios, que não são mera formalidade: ter notável saber jurídico e reputação ilibada.

O primeiro requisito é fundamental para que as decisões do Supremo sejam respeitadas e cumpridas. Não é um academicismo. O profundo e reconhecido conhecimento do Direito por parte de cada ministro torna o STF apto a defender, de forma efetiva, a Constituição. Não podem pairar dúvidas sobre o saber jurídico da pessoa indicada. Por isso, o texto constitucional fala em “notável saber”.

Em relação ao segundo requisito, não basta, por exemplo, que a pessoa não tenha sido condenada criminalmente. É preciso que sobre a reputação dos escolhidos para a mais alta Corte do País não pairem dúvidas.

Mais do que expressão de um moralismo, a exigência ética para o cargo de ministro do STF representa indispensável proteção da própria Corte. Não é suficiente que as decisões sejam tecnicamente perfeitas. Para que o Supremo seja capaz de realizar sua missão institucional, não pode haver qualquer suspeita sobre a integridade de seus membros. A ilibada reputação dos ministros é o que permite que as decisões do STF alcancem plena efetividade, também em relação à pacificação social. Elas precisam ser acolhidas e respeitadas pela população. Não são, como se vê, requisitos aleatórios.

O segundo aspecto a se levar em conta na nomeação dos próximos ministros do Supremo refere-se ao momento do País. Por cumprir sua missão constitucional de defesa da Constituição, o STF tem sido muito contestado nos últimos anos – o antecessor de Lula, Jair Bolsonaro, chegou a avisar, no alto de um carro de som, que não cumpriria mais decisões do Supremo. Parcela relevante da população não entende as decisões da Corte ou as considera politicamente motivadas. É um cenário preocupante. Lula deve ter claro que as próximas nomeações para o STF – Rosa Weber também se aposentará neste ano – são cruciais. Sem exagero, pode-se dizer que elas são decisivas para o futuro da imagem da Corte.

Lula, como qualquer outro presidente, tem a liberdade de escolher sem outros limites que os da Constituição. Mas, se deseja portar-se responsavelmente, Lula deve evitar que a nomeação seja entendida como tentativa de influenciar o Supremo a seu favor, como fez, escandalosamente, o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O Supremo precisa de nomes que fortaleçam sua dimensão jurídica. Ao olhar para o STF, a população deve poder ver, sem nenhuma dificuldade, uma Corte plural e tecnicamente impecável. Se nunca é aconselhável, especialmente agora não é hora de nomes que dividam ou acentuem percepções de natureza política sobre o Supremo. Para o bem da democracia, é tempo de reconstruir a autoridade do STF – e isso é também tarefa do presidente da República e do Senado, por meio do cumprimento responsável de suas atribuições constitucionais.

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