Editorial do Estaddão, 13/11/2022

 Ministros do STF devem ser exemplares


Para pacificar o País e preservar a autoridade do Judiciário, é preciso cumprir a Lei Orgânica da Magistratura. Ministro do STF não é personalidade a ser ouvida em evento empresarial


Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
13 de novembro de 2022 | 03h00


A informação de que seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski – confirmaram presença no evento privado “Lide Brazil Conference”, a ser realizado nos dias 14 e 15 de novembro em Nova York, deve servir de alerta. O Poder Judiciário – em especial, o STF – tem sido alvo, nos últimos anos, de diversos ataques e ameaças antidemocráticas, com o objetivo explícito de tolher a independência da Justiça. Criminosas, essas atitudes merecem repressão rigorosa e punição exemplar. No entanto, sem ser condescendente com qualquer tipo de achaque contra o Supremo, é preciso admitir: o comportamento dos magistrados pode e deve melhorar muito.

O bom funcionamento do Estado Democrático de Direito depende de um Judiciário autônomo, independente e respeitado pela sociedade. Só assim as decisões judiciais, que muitas vezes contrariam a opinião majoritária – magistrados obedecem a Constituição e as leis, não os humores do momento –, estarão aptas a serem acatadas pela população e poderão cumprir seu objetivo de resolver e pacificar os conflitos sociais.

A exemplaridade dos magistrados não é mera recomendação de prudência. É uma exigência legal. Entre os deveres dos juízes – por exemplo, “não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar” –, o art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura estabelece que os magistrados devem “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Aquele que, por força do cargo público, aplica a lei no caso concreto e diz a última palavra sobre o que é o Direito não pode dar margem a qualquer tipo de suspeita.


Se a exigência de o juiz ser irrepreensível aplica-se sempre, em todas as circunstâncias, ela é ainda mais necessária na situação atual, em que parte considerável da população nutre um sentimento de desconfiança em relação ao Supremo. É tempo de comedimento, de especial sobriedade por parte de todos magistrados; de modo muito especial, dos ministros do STF.

A Lei Orgânica da Magistratura estabelece atividades e ações que, por força do cargo, estão vedadas aos juízes. Por exemplo, o magistrado não pode “exercer o comércio ou participar de sociedade comercial”, nem “exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração”. Para preservar os juízes de possíveis conflitos de interesse, a lei fixa uma distância dos magistrados em relação a questões empresariais, comerciais e mesmo associativas. Além de expressarem cuidado com a imparcialidade de cada juiz – condição imprescindível para um julgamento justo –, essas proibições buscam fortalecer a autoridade de todo o Judiciário.

Há ainda outra proibição legal muito importante de ser lembrada nos dias de hoje. Nenhum juiz pode “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”. Em outras palavras, como diz a velha expressão, o juiz só deve falar nos autos. Esse silêncio é especialmente necessário para os ministros do Supremo. Dada a enorme abrangência da competência da Corte, é muito difícil que algum tema não esteja relacionado a processo pendente de julgamento no STF.

Para pacificar o País, para preservar e fortalecer a necessária autoridade do Judiciário, é fundamental que os ministros do STF sejam cumpridores exemplares da Lei Orgânica da Magistratura. Há algo de muito equivocado quando mais da metade da Corte constitucional vai a um evento privado expor suas opiniões sobre o Brasil. Não é assim que funciona nos países civilizados. Não é esse o espírito da lei brasileira. Ministro do Supremo, assim como qualquer outro magistrado, não é personalidade a ser ouvida em evento empresarial. As águas republicanas precisam voltar ao leito.

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