Artigo de Lygia Maria, FSP, 21/11/2022

A Copa é só uma Copa


Tratar o futebol sempre sob viés político é ignorar o lado estético e passional do esporte favorito dos brasileiros


20.nov.2022 às 14h00


Começou a Copa do Mundo, ainda bem: finalmente, vamos parar de falar de política. Ledo engano. A politização do mundo da vida, que no Brasil se intensificou com a polarização ideológica desde o impeachment de Dilma Rousseff, parece que veio para ficar.

Na última edição do torneio, em 2018, militantes de esquerda alertavam que "Enquanto você grita ‘gol’, eles te exploram!". E, se mesmo explorado, você resolvesse torcer, ainda teria de escolher direito para quem: porque, no maior evento de futebol do planeta, não é o futebol que importa, e sim se a seleção é de país que colonizou povos africanos no século 19.

Este ano, sugeriram boicote à seleção brasileira porque alguns jogadores declararam voto em Jair Bolsonaro. Trata-se do mesmo mecanismo que tenta cancelar artistas por causa de suas opiniões políticas.

Essa incapacidade de separar a estética da política denota ignorância flagrante sobre a criação e a fruição artísticas. O fato do escritor argentino Jorge Luis Borges ter sido conservador, por exemplo, não torna seus contos menos fantásticos —porque é de linguagem que se trata. Da mesma forma, não importa em quem Neymar vote, contanto que faça belas jogadas que terminem em gol.

Não somos máquinas. Politizar é racionalizar, e há áreas da vida em que tal atitude é necessária. Mas, em outras, devemos fruir com sensibilidade e paixão, sob o risco de perdermos aquilo que nos faz humanos.

Ao explicar que nem toda imagem de um sonho tem significados reprimidos que precisam ser desvendados, Freud disse: "Às vezes, um charuto é apenas um charuto". Contrariando essa dica, a militância insiste em achar interpretação política em tudo. Porém uma partida de futebol é apenas uma partida de futebol.

Por sorte, essa visão está restrita a uma bolha intelectual elitista que sinaliza virtude nas redes sociais.

A maioria da população ainda valoriza e se emociona com aquilo que o Brasil produziu de melhor ao longo de sua história: o futebol. E que venha o hexa!

Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

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