Vejam o editorial do "Estadão" de hoje

A IMPORTÂNCIA DAS APARÊNCIAS
30.01, 14h46

Editorial do Estado de S. Paulo

O presidente Lula parece ter um excelente conhecimento intuitivo da importância das aparências. Ele dá a impressão de saber, sem que ninguém o tenha ensinado, que o elixir da longevidade de seu prestígio popular se compõe de 1 parte de conteúdo efetivo das suas iniciativas como governante e de 9 partes do alarde com que são anunciadas e reiteradas, de modo a dominar pelo máximo de tempo possível o noticiário da mídia. A convergência do êxito do Bolsa-Família com a incessante publicidade que o entronizou na percepção ou no imaginário popular, sendo o próprio Lula o seu propagandista por excelência, é o caso típico da exceção que confirma a regra.A regra é a do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como já foi a do Primeiro Emprego e a do “espetáculo do crescimento”. Em cada situação, o que conta é o espetáculo construído em torno do programa, que se torna um sucesso de público por ser conduzido, dia sim, o outro também, pelo presidente. A barragem de críticas também cotidianas ao PAC, fulminado na imprensa pela esmagadora maioria dos economistas e comentaristas econômicos do País, alcança apenas uma fração do grande público, a dos leitores de jornal - e mesmo entre eles, compreensivelmente, poucos têm apetite por um tema embebido em questões técnicas como esse.Se a economia, por exemplo, não tiver crescido 4,5% quando o ano terminar - o que ninguém espera seriamente, a ponto de o próprio Banco Central trabalhar com a previsão de 3,8% -, o PAC começará a fazer água, porque todas as suas projeções para a evolução das contas públicas se fundamentam nessa crendice (e na de um PIB de 5% a partir de 2008). Mas, então, não faltará talento ao presidente da República para seguir o conselho de Churchill: a arte de prever consiste em saber explicar por que as previsões falharam. Como pior do que está não vai ficar - e curta é a memória das pessoas -, ampla será a margem para mais lero-lero, uma operação em que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o seu colega da Fazenda, Guido Mantega, têm tido papel preponderante.E o oba-oba continua: das alturas dos Alpes suíços, Lula decreta que “ou vai ou racha”, o que há de ser bastante bom para persuadir muitos brasileiros das virtudes do PAC, ainda mais quando, um depois do outro, os dois ministros garantem em entrevistas que a aceleração do crescimento é líquida e certa porque se nutrirá de dinheiro público “direto na veia” da economia - o que só é verdade no que diz respeito aos US$ 87 bilhões do programa de investimentos da Petrobrás que o PAC “perfilhou”. O resto ou definitivamente não existe ou é duvidoso que venha a existir. O lance publicitário seguinte já está definido, com a inestimável vantagem de permitir a Lula que faça o que mais gosta: viajar e discursar. Já a partir de amanhã, percorrerá o País como uma espécie de inspetor-geral das obras do programa - mesmo que não sejam dele - e de aplicador das injeções mencionadas por Dilma e Mantega, com uma fala em cada escala, para fixar na população a sua nova imagem de “presidente do PAC”.Pega? Pega. Porque a grande esperteza, o grande trunfo do programa é “a vitória da crença na competência do governo em distribuir benesses seletivas, na possibilidade de evitar reformas conseqüentes e continuar remendando a colcha de retalhos que caracteriza a legislação tributária brasileira”, como observou - pegando no nervo desse arremedo de projeto econômico - o professor Marcelo de Paiva Abreu, da PUC-Rio, no artigo publicado ontem neste jornal, sob o apropriado título Nivelando por baixo. Na montagem do espetáculo de ilusionismo, “o jogo de cena não foi acompanhado de esforço mais sério de reflexão sobre como tirar a economia do marasmo em que está mergulhada por mais de um quarto de século”, aponta Abreu.Decerto seria esperar muito desse governo que não sabe - ou se sabe, não quer - dar o passo seguinte ao paloccismo do primeiro mandato, indo finalmente às raízes da fragilidade das contas públicas. Nesses quatro anos, o governo só conseguiu compatibilizar o rigor fiscal com a violenta expansão das suas despesas correntes à custa do contribuinte, colocando nas nuvens a carga tributária do País. Agora, aposta no voluntarismo (“ou vai ou racha”, “o Brasil não tem como não crescer”) para tentar neutralizar a deterioração fiscal extra embutida no PAC - que promete, isso sim, alívio tributário algum.

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