Feliz ano velho!

O artigo de Everardo Maciel mostra que o Brasil não tem jeito. Vai continuar como estava e, provavelmente, o apedeuta porá a perder a conquista da estabilidade econômica. Regrediremos. Mas regredir parece ser a sina "destepaiz" que caiu nas garras do Partido do Trambique. Logo seremos um país mais "igualitário", provavelmente como o Zimbábue ou o Haiti, considerando que o desgoverno vem promovendo a igualdade através do rebaixamento da classe média.

Tudo bem ano que vem

Por Everardo Maciel

É muito preocupante o grau de apatia que tomou conta da sociedade brasileira. Parece que as grandes mobilizações políticas recentes, como diretas-já ou o impeachment de Collor, representaram meros movimentos episódicos ou de interesse de grupos específicos.
A corrupção política, antes incidental, converteu-se em algo sistêmico. Processos não andam, réus não são julgados, culpados confessos são absolvidos. E ninguém fica estarrecido. Admite-se como normal a criação de cargos comissionados na administração federal, a serem preenchidos por indicação política e cujos titulares são compelidos a oferecer algum tipo de contribuição financeira a partido político.

A violência urbana passou a ser rotina nas grandes cidades. São Paulo parou, com os ataques do PCC. O Rio de Janeiro funciona quando o crime organizado não se opõe. Quando o Exército foi investigar armas roubadas nas favelas cariocas falou-se em ocupação, como se fosse território estrangeiro. O Estado tão-somente reage aos ataques dos bandidos. Não existe nenhuma iniciativa minimamente organizada para erradicar o crime organizado. Discute-se apenas de quem a responsabilidade, se da União ou dos Estados, como se existisse uma clara repartição de competências nas políticas públicas.

A palavra “apagão” findará dicionarizada, tal a freqüência com que se manifesta. O caos dos aeroportos era previsível, em virtude de equipamentos obsoletos e administração caótica. Se alguém, entretanto, pretende fugir desse problema vai enfrentar estradas mal conservadas, ônibus que são assaltados, passageiros que podem ser carbonizados. Tudo é visto como se vivêssemos no melhor dos mundos possíveis.

Os investimentos privados na área de infra-estrutura não prosperam ante as incertezas quanto à oferta futura de energia e à fragilidade dos marcos regulatórios. As parcerias público-privado são peças de ficção. Os investimentos públicos, nos últimos 20 anos, caíram em quase 75%, como proporção do PIB. Em contrapartida cresceram assustadoramente as despesas correntes. Os gastos sociais no Brasil são superiores à média da carga tributária da América Latina. A despeito disso, a qualidade da educação e saúde públicas é lastimável. Gasta-se muito e mal.

No Brasil, se comemora a expansão dos programas assistenciais, como se fossem uma via para consecução do desenvolvimento. Programas compensatórios se justificam, mas não dispensam a concomitante preocupação com ações voltadas para efetiva promoção do desenvolvimento e redução das iniqüidades sociais. Enquanto isso nada se faz para reformar a obsoleta legislação trabalhista que segrega os trabalhadores entre os que têm todos os direitos e os que nada têm. Quase 50 milhões de trabalhadores vivem na informalidade. São candidatos a programas assistenciais no futuro, sem que nada tenham contribuído para a Previdência Social.

A previdência social é a certeza permanente de problemas. Qualquer projeto de reforma profunda é visto com suspeição. Prefere-se, ingenuamente, pensar que o crescimento econômico possa ser a solução, como se ele próprio não estivesse condicionado à reforma da previdência. Aqui ainda existem muitos que acreditam que é possível aprender inglês dormindo ou perder a barriga sem fazer regime.

Reforma agrária é uma piada. Distribuir propriedades com quem não tem recursos, nem aptidão para cultivá-las é um enorme desperdício de dinheiro público e mero exercício de demagogia.
“Movimentos sociais” ocupam prédios públicos. Sua remoção fica na dependência de reintegração de posse dada pela Justiça! Ninguém é condenado por esse tipo de ação. Entende-se que esse tipo de movimento carrega autorização para prática de qualquer ato, gozando de prévia absolvição.

Nesse contexto nada animador o Governo Federal continua com enorme disposição de aumentar os gastos correntes. Nos últimos quatro anos, foram admitidos quase 90 mil pessoas na administração federal. Não se discute eficiência no serviço público. Diante de qualquer deficiência, o remédio é contratar mais. É preferível reclamar contra o tamanho da carga tributária. Enfim, nenhuma despesa é órfã. Todas elas têm zelosos pais que se enfurecem quando alguém pretende controlá-las.

Já agora se anunciam medidas de aumento de gastos (salário-mínimo, repasse aos Estados por conta da Lei Kandir, folha de salários) que combinado com incentivos fiscais resulta em impacto fiscal negativo da ordem de R$ 33 bilhões. Ou sucumbe o equilíbrio fiscal ou teremos mais impostos. Como se sabe, não há almoço de graça.

Tudo isso ocorre e não há menor vestígio de indignação na sociedade. É verdade que a indignação não é um valor em si, mas uma centelha para mudança. A conjugação dessa abulia paralisante com a inépcia governamental é dramática e pode comprometer o futuro deste país.
Dizia Roberto Campos que um otimista é um pessimista mal-informado. Preferia falar outras coisas neste início de ano, mas um pouco de reflexão pode ser muito útil. Feliz 2008.

Consultor tributário, Everardo Maciel foi Secretário da Receita Federal (1995-2002).

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