Editorial da Folha, 03/08/2023

De volta ao vermelho


Déficit das contas do governo acentua dúvidas em relação ao plano de ajuste


Era previsível que as contas do governo federal voltariam ao vermelho, o que se confirmou no fechamento do resultado do primeiro semestre deste 2023. Mais preocupante é que as perspectivas de reequilíbrio permanecem nebulosas.


De acordo com o balanço do Tesouro Nacional, as despesas primárias —com pessoal, custeio administrativo, benefícios sociais e investimentos— superaram as receitas em R$ 42,5 bilhões, de janeiro a julho último. Trata-se de uma reviravolta ante o superávit de R$ 54,3 bilhões obtido em período correspondente do ano passado.


Decerto que o saldo positivo anterior se devia, em grande parte, a recordes temporários da arrecadação em razão da disparada de preços do petróleo. Também é fato que as contas já mostravam deterioração no final da gestão de Jair Bolsonaro (PL), com a ofensiva tresloucada e malsucedida pela reeleição.


A questão, como se sabe, é que Luiz Inácio Lula da Silva não se limitou a aumentar a despesa prevista neste ano para contemplar a justa e necessária preservação dos novos valores do Bolsa Família —o petista decidiu promover uma ampla elevação de programas já no início de seu terceiro mandato.


Como resultado, os gastos do ano acabam de serem recalculados para exorbitantes R$ 2,055 trilhões, um salto de 14% (quase 9% acima da inflação esperada) em relação ao R$ 1,802 trilhão de 2022.


Os excessos na largada acentuam as dúvidas quanto ao plano de ajuste prometido para os próximos anos, ainda em tramitação no Congresso. O resultado do Tesouro em junho foi pior que o esperado por analistas; a própria projeção oficial para o déficit primário de 2023 já subiu de R$ 107,6 bilhões para R$ 145,4 bilhões.


É muito difícil crer no cumprimento do objetivo de fechar o ano com rombo igual ou inferior a 1% do Produto Interno Bruto (cerca de R$ 107 bilhões) e, mais ainda, na meta de equilibrar receitas e despesas já em 2024 —principalmente porque o governo quer depender unicamente de uma descabida escalada da arrecadação.


Será ilusão perigosa imaginar que a recente melhora de humores no mercado e as menções favoráveis de agências de risco significam que os temores quanto à solidez fiscal do país estejam dissipados. Por ora, apenas saiu de cena o risco de descontrole.


Sem restaurar a credibilidade das finanças governamentais, o país continuará tendo dificuldade em reduzir inflação e juros de forma duradoura, comprometendo o crescimento econômico essencial para a redução da pobreza. 

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