Artigo de Pedro Dória, Estadão, 26/05/2023

 

Lula ainda procura empregos bons para operários, mas eles não existem mais

Se a conversa sobre reindustrialização é séria, deveria começar pelo MEC


O que pensa o governo Lula? A pergunta é importante. Qual sua ideia de Brasil? Em grande parte, o presidente foi eleito por suas credenciais democráticas. Fez, durante a campanha, um discurso vago, sem grandes compromissos, mas em essência prometendo que não seria Jair Bolsonaro. A esta altura de maio, porém, alguns sinais deveriam preocupar. Tudo indica que ele não acredita na ideia de economia verde, o caminho mais fácil de inserção do País no século 21. Também há sinais de que ele não percebe como fomentar uma indústria digital. O noticiário desta semana deixa tudo isso alarmantemente claro.

Na edição de quinta-feira, 25, do Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um artigo com seu vice, Geraldo Alckmin, afirmando o compromisso com a reindustrialização do País. O cheiro que deixa é, embora nunca dito, de que ainda procura empregos bons para operários. Eles não existem mais. Insinua o sonho de exportar motores a combustão de etanol para a África. É sonhar pequeno. Aposta na indústria de semicondutores — aí é sonhar grande. Será que deseja competir com Taiwan, coisa que EUA e China estão batalhando para conseguir? No rastro, deixa um mísero parágrafo no pé para educação. E fala só de educação de base.

Os exemplos de China e Coreia do Sul mexem, realmente, com os sonhos de uma boa parte dos economistas desenvolvimentistas do Brasil. O que raramente é comentado são dois fatores. O primeiro é que estes países têm poupanças internas formidáveis. Nós não temos. O segundo ponto é outra coisa que ambos os países têm de estupendo: educação. Criança pequena aprende as quatro operações e engenheiros são formados em vastas quantidades ano após ano.

Uma indústria do século 21 não precisa só de dinheiro, seja privado ou estatal. É movida a cérebros. Se a conversa sobre reindustrialização é séria, deveria começar pelo MEC. Nas duas pontas: ensino de base e superior.

À jornalista Mônica Bergamo, um ministro palaciano explicou que a negociação com Arthur Lira, na Câmara dos Deputados, vem sendo difícil. E que, por isso, o governo precisou abrir mão de “pautas simbólicas, como o Ministério do Meio Ambiente”, para produzir crescimento econômico. Pautas simbólicas.

“O petróleo é nosso”, o fetiche que não morre. A indústria verde, créditos de carbono, exploração científica da biodiversidade, as patentes que podem surgir. Ao que parece, “indústria verde”, no Planalto, é um termo de marketing. Não enxergam. Manter intacto o ministério de Marina Silva não é prioritário.

Prioritário é conseguir vender carro zero a menos de R$ 60 mil para uma classe média endividada. Mas quem quer comprar carro em 2023? Será possível que, no Brasil, a gente ainda se move com base na imaginação criada entre Getúlio e JK? Grande oportunidade é vender motor a combustão para países africanos.

O discurso de campanha, falando de transição energética, de o BNDES investir em startups, de particular atenção para a causa indígena, na prática, está se desmontando. Nos momentos em que o Planalto precisa fazer escolhas perante um Congresso reacionário e com sede pelo Orçamento, as reais prioridades se apresentam. Investir numa indústria automobilística velha, cavar poços de petróleo. Ninguém teve a ideia de circular o mundo pintando as possibilidades de um Brasil potência verde. Mas se propondo a encabeçar uma negociação de paz entre Rússia e Ucrânia, aí sim. Isso teve. Enquanto isso, o MEC só apareceu quando houve uma ofensiva contra a reforma do ensino médio. Ou seja, uma ofensiva para deixar tudo como está.

Em que o Brasil do século 21 será diferente do Brasil do século 20? Qual a visão que temos de possibilidades? Como pode ser tão pequena a imaginação de nossos políticos? Nem com criança que sabe fazer conta, parece, podemos sonhar.


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