Primeiro editorial do Estadão, 20/04/2023

 

Exceções demais, firmeza de menos

Opinião do Estadão


Governo deixa de fora do novo regime fiscal uma série de despesas e atropela a LRF ao não prever punição em caso de descumprimento da meta de superávit


O projeto de regime fiscal finalmente apresentado pelo governo de Lula da Silva tem exceções demais e firmeza de menos. A julgar pelo que se viu na apresentação do texto, o principal objetivo do arcabouço, que é a redução do endividamento público em relação ao PIB, dificilmente será atingido – cenário que pressiona os juros e o câmbio para cima, dificultando o crescimento econômico sustentável, fim último de uma boa regra fiscal.

Já se sabia que o cumprimento das metas de superávit primário (receitas menos despesas, descontado o gasto com juros) dependeria de um aumento significativo de receitas, uma vez que o controle de despesas parece bastante frouxo. Além de tornar obrigatório que as despesas cresçam no mínimo 0,6% acima da inflação, faça chuva ou faça sol, desobriga o governo, na prática, de respeitar a meta de superávit – o que atropela a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se ao final do exercício o governo não economizar o prometido, seus administradores não serão punidos – basta que o presidente da República mande uma carta ao Congresso explicando por que fracassou e prometendo fazer melhor no ano seguinte. Desse modo, se o limite para o crescimento da dívida é a âncora desse novo regime fiscal, e se não há obrigação de cumprir as metas para frear esse crescimento, então não são desprezíveis as chances de o País ficar desancorado e à deriva. Basta que os imperativos eleitoreiros se sobreponham à necessária racionalidade fiscal, como acontece usualmente no Brasil.

Considerando que o sucesso do novo regime fiscal depende de receitas ainda inexistentes – o governo precisa inventar R$ 150 bilhões para atingir suas metas fiscais até 2026 –, é até natural que todo o debate sobre o arcabouço inclua a discussão sobre a reforma tributária. Mas é um erro: a reforma tributária, malgrado seja absolutamente necessária inclusive para melhorar as contas do governo, não deveria ser pautada por esse imperativo. A mudança do regime de impostos é crucial para melhorar o ambiente de negócios e impulsionar o desenvolvimento do País, e não para ajustar a contabilidade oficial.

Na prática, porém, o debate sobre a reforma tributária já está contaminado pela sofreguidão do governo em arrecadar mais. E não será nada fácil: se o governo teve que recuar de sua intenção de acabar com a isenção de imposto sobre a importação de produtos abaixo de US$ 50 negociados por pessoas físicas, porque temeu a repercussão negativa, dificilmente terá força para convencer os diversos setores beneficiados por isenções fiscais bem mais robustas a abrir mão disso em nome da reorganização econômica do Brasil.

Nesse sentido, é sintomático que o projeto de regime fiscal preveja nada menos que 13 exceções, algumas por imposição constitucional, outras por conveniência política: não estão no limite de gastos, por exemplo, o aumento de capital de estatais e créditos extraordinários para situações emergenciais – justamente a desculpa que o governo de Jair Bolsonaro usou para furar o teto de gastos com o objetivo de comprar votos para sua reeleição.

Manda a boa negociação política que o governo, ao encaminhar sua proposta ao Congresso, inclua vários elefantes na sala, para serem negociados com os parlamentares. Ao enviar seu projeto com a sala praticamente vazia, permite que os parlamentares, orientados por poderosos lobbies, coloquem ali vários de seus elefantes, ampliando as exceções e, com isso, enfraquecendo perigosamente a regra fiscal.

Tudo isso, contudo, faz parte da democracia. Cabe ao governo, sobretudo na figura do presidente da República, liderar o debate nacional sobre a necessidade de racionalizar o crescimento da dívida pública, salientando que, para isso, é preciso que todos façam sacrifícios, abrindo mão de seus eventuais benefícios. Por ora, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é um dos poucos que parecem engajados nessa espinhosa tarefa. Nem seu chefe, Lula da Silva, que o desautorizou no caso trivial do imposto sobre produtos importados de sites asiáticos, demonstra disposição de comprar essa briga. Não é um bom sinal.

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