Editorial do Estadão, 12/09/2022

 O eleitor não é ingênuo


Benefícios eleitoreiros não diminuíram a reprovação de Jair Bolsonaro. As altas taxas de rejeição dele e de Lula mostram maturidade do eleitor. Ele sabe o que faz mal ao País


Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
12 de setembro de 2022 | 03h00


Há muita desinformação e muita manipulação nas redes sociais, o que tensiona aspectos vitais do regime democrático. A mentira massiva não apenas difunde conteúdo inverídico, como corrói o ambiente de confiança tão necessário numa sociedade. Tudo isso pode produzir certo pessimismo em relação à qualidade da decisão do eleitor. De toda forma – e aqui está o ponto a ser destacado –, as pesquisas de opinião indicam que o eleitor não é ingênuo. Os quase quatro anos de governo Bolsonaro tiveram profundas e duradouras consequências na percepção do eleitor: metade da população diz que não votará em Jair Bolsonaro de jeito nenhum.

A taxa de rejeição de Bolsonaro não é um fenômeno temporário, fruto de uma insatisfação pontual. Desde a pandemia, parte considerável da população vem manifestando profundo descontentamento com a administração Bolsonaro, rejeição esta que se consolidou ao longo do tempo. O dado recente, extremamente positivo em relação à maturidade do eleitor, é que a concessão de benefícios eleitoreiros neste segundo semestre não modificou a reprovação do presidente Jair Bolsonaro. A última pesquisa do Ipec indicou que 49% dos eleitores afirmam que não votarão de jeito nenhum em Jair Bolsonaro. Também é expressiva a rejeição de Lula: 36% dos eleitores dizem que não votam nele de forma nenhuma.

Esse quadro revela que os atos dos governantes têm consequências políticas. Certamente, pode-se argumentar que o eleitor poderia e deveria ser ainda mais exigente. Por exemplo, a combinação de compra de 51 imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro e as fortes suspeitas de rachadinha – nunca esclarecidas – deveria ser motivo para que ninguém preocupado com o combate à corrupção no País apoiasse ou votasse em Jair Bolsonaro. Não é razoável reconduzir ao mais alto cargo do Executivo federal um político envolvido em suspeitas de lavagem de dinheiro. Seja pela responsabilidade da função, seja pela dimensão de exemplaridade, a Presidência da República merece ser ocupada por pessoas com reputação ilibada.

De toda forma, mesmo que o cenário de consciência cívica tenha muito a melhorar, é preciso reconhecer que já existe de fato uma responsabilização pelo modo como o governante exerce o cargo que lhe foi atribuído. Metade da população não quer um presidente da República que coloca em dúvida o sistema eleitoral, que descuida da educação pública, que não tem planejamento, que desrespeita as mulheres, que dificulta a transparência dos atos do governo, que debocha dos doentes e, principalmente, que não trabalha. O eleitor médio pode ter dificuldades de entender toda a gravidade do orçamento secreto – verdadeira aberração antirrepublicana –, mas ele sabe que o País tem muitos problemas e que o chefe do Executivo federal precisa trabalhar, e trabalhar bem: sem criar desordem, sem fugir de suas responsabilidades e sem favorecer os amigos.

A rejeição de Lula revela também que, ao contrário do que às vezes se diz, o eleitor não se esquece completamente das gestões passadas. O PT pode fingir que, por estar à frente nas intenções de voto para a Presidência da República, não precisa explicar os casos de corrupção de seus 13 anos no governo federal e, principalmente, que não necessita apresentar o que fará de diferente para evitar que, num eventual futuro governo, os escândalos se repitam. A tática diversionista, no entanto, não funciona com parte relevante da população. Mais de um terço da população diz que não vota de jeito nenhum em Lula.

A democracia não é uma ilusão. Por mais que haja fake news – o governo de Jair Bolsonaro chegou a montar um gabinete do ódio no Palácio do Planalto para atacar e difamar adversários políticos –, a população está em contato com a realidade. Não se governa um País com motociata. Não se vence a pandemia com cloroquina. Que até o dia 2 de outubro o eleitor possa fazer uma avaliação responsável dos diversos candidatos, suas trajetórias e respectivas propostas. É preciso não colocar no poder gente tão eficiente em gerar rejeição.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Artigo de André Lajst, O Globo, 21/01/2024

Artigo de Natália Pasternak, O Globo, 21/08/2023

Artigo de Carlos Andreazza, O Globo, 02/06/2023