Mais um 'palácio da Justiça'

A construção de suntuosos “palácios da Justiça” é uma espécie de tradição do Poder Judiciário que não dá sinais de ser abandonada. O último lançamento imobiliário da instituição é o palácio da nova sede do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, a um custo de R$ 498,5 milhões. Projetada por Oscar Niemeyer - o Judiciário não faz por menos -, a nova sede será um complexo de quatro edifícios, num total de 169 mil metros quadrados.

O projeto prevê instalações luxuosas para os 51 desembargadores, além de área de lazer, centro cultural e sala para motoristas. Cada juiz terá direito a um gabinete de cerca de 350 metros quadrados, o que equivale a um confortabilíssimo apartamento residencial de quatro quartos. As instalações da presidência da corte terão 615 metros quadrados. Mais absurdo do que esse desperdício de espaço à custa dos contribuintes é o argumento invocado para justificar tanto luxo. Segundo o edital de licitação, a obra deve “refletir em seu desenho o respeito incondicional à igualdade e à dignidade de todos os cidadãos” (grifo nosso).

Mas a igualdade e a dignidade dos cidadãos, na verdade, estão sendo ofendidas por gastos perdulários, em obras de luxo oriental, no país do Bolsa-Família. “Quando ouço falar em quase R$ 500 milhões, levo um susto”, diz o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que é procurador de Justiça licenciado. “Esse ciclo de mais funcionários, mais juízes e mais prédios deveria estar esgotado”, endossa o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), que até o ano passado era juiz-assessor da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça.

Para justificar a necessidade de uma nova sede, a direção do TRF da 1ª Região invocou o volume da carga de trabalho. Pelas estimativas, a corte deverá julgar cerca de 68 mil processos, em 2008. Esse argumento, contudo, não resiste a uma comparação com outra obra do próprio Judiciário. O TRF da 2ª Região, com jurisdição sobre os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, tem uma carga bem maior de trabalho - cerca de 75 mil ações - e sua nova sede custará R$ 115,3 milhões. Ou seja, quatro vezes menos do que o suntuoso palácio do TRF da 1ª Região.

Infelizmente, no entanto, esse não é o único palácio que o Judiciário vai construir em Brasília. Perto da área onde ficará a nova sede do TRF da 1ª Região há outra obra em curso, também muito mais cara do que precisaria ser. São as novas instalações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que custarão R$ 330 milhões para o Tesouro. Além de contar apenas sete ministros efetivos, dos quais três pertencem ao STF e dois ao STJ, a corte tem uma demanda de trabalho sazonal. O projeto da nova sede do TSE - como o leitor deve ter adivinhado - também é de Oscar Niemeyer e a construção já foi classificada como “problemática” pelo Tribunal de Contas da União, que, em relatório enviado no mês passado ao Congresso, denunciou preços superfaturados em alguns itens.

Nada, absolutamente nada, justifica a suntuosidade dessas obras públicas, que só contribui para aumentar o risco de desvio de dinheiro público, como o ocorrido nas obras do Fórum Trabalhista de São Paulo. Por outro lado, há muitos motivos para evitá-las, mas o principal é a sua gritante desnecessidade, associada às gritantes necessidades de obras prioritárias à espera de recursos. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 45 e dos projetos da chamada “reforma infraconstitucional do Judiciário”, que introduziram a súmula vinculante e a cláusula impeditiva de recursos, os conflitos mais corriqueiros cada vez mais estão sendo encerrados nas instâncias inferiores da Justiça. E as instalações dessas cortes, em sua grande maioria, são muito modestas e se encontram deterioradas, necessitando urgentemente de reformas e de expansão.

Em vez de gastar recursos escassos com sedes suntuosas, o Poder Judiciário melhoraria muito a sua imagem se concentrasse seus gastos em obras realmente prioritárias que, essas sim, dariam à instituição condições para dispensar a quem depende de seus serviços o tratamento digno e eficiente a que tem direito.

Editorial do Estadão, 20/10/07



Comentários

Anônimo disse…
Ao contrário da justificativa arranjada para a suntuosidade, o que se vê com todos esses gastos abusurdos é que os três poderes estão cada vez mais distanciados da realidade do País e de seus cidadãos. Não há como justificar tanto desperdício de dinheiro público (nosso dinheiro).

Postagens mais visitadas deste blog

Artigo de André Lajst, O Globo, 21/01/2024

Artigo de Natália Pasternak, O Globo, 21/08/2023

Artigo de Carlos Andreazza, O Globo, 02/06/2023