Editorial da Folha de São Paulo, 09/04/2024

Embate com Musk cria armadilha para o STF

Conflito expõe excessos de Moraes; para a Folha, liberdade para a circulação de ideias deve ser a mais ampla possível

Em novo rompante de postagens, o empresário Elon Musk publicou uma sequência de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Nelas, acusou o magistrado de praticar censura ilegal e ameaçou desobedecer a restrições impostas a usuários da rede social.

Moraes, em resposta, determinou a inclusão de Musk no inquérito que investiga a atuação e o financiamento de milícias digitais antidemocráticas. Ato seguinte, o bolsonarista Allan dos Santos, foragido da Justiça brasileira, fez uma live na rede social do bilionário, o X, da qual estava suspenso por ordem de Moraes.

O fogo cruzado serve mais a iludir do que a esclarecer. Engrossa o caldo da polarização, dinâmica política que gera muito calor e pouca luz. No saldo, é provável que o embate seja mais benéfico ao bolsonarismo do que ao interesse público.

Decerto o sentido da crítica a Moraes não soa descabido. O ministro já estendeu bem além do razoável uma frente de investigação nada transparente, ademais questionável desde a origem.

Ao atacar um problema real, o das ameaças à democracia, Moraes adentrou um terreno pantanoso, o de definir o que é verdade e o que não é, atoleiro do qual parece não conseguir sair.

O inquérito das fake news está aberto há mais de cinco anos, em caráter sigiloso. O das milícias digitais, instalado em 2021, foi prorrogado até o fim deste mês. Nesse período, o STF já cometeu erros evidentes de abordagem, como ao censurar reportagens jornalísticas no âmbito da eleição de 2022.

Para esta Folha, a liberdade para circulação de ideias deve ser a mais ampla possível. Excessos e inverdades são depurados no processo de debate público, não ao largo dele. Censurar é má ideia.

Isso posto, é preciso manter uma dose de ceticismo em relação à defesa de valores que Musk diz estar empunhando. Primeiro porque tal posicionamento não o autoriza a ignorar decisões judiciais, por mais questionáveis que sejam.

Segundo, chega em embalagem já conhecida e com difusão reverberada em núcleos da direita radical.

Do ponto de vista institucional, o episódio deixa uma armadilha à frente do STF. As opções para o tribunal ficam embicadas no caminho de dobrar a aposta, eventualmente derrubando o acesso no Brasil ao X. O custo não seria pequeno, dada a excepcionalidade da medida —que teria eficácia limitada pela possibilidade técnica de burlar a proibição.

Faria melhor a corte suprema se contivesse a si própria e dedicasse mais tempo aos assuntos de impacto mais direto na vida do cidadão brasileiro, que pouco se beneficia do calor da polarização.

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