Editorial do Estadão, 02/12/2023

 Está aberta a porteira na Petrobras


Rolo compressor do governo Lula altera estatuto da petroleira para retirar amarras que impediam loteamento de cargos e uso político da companhia; TCU e STF ainda podem impedir



O artigo 21, que a Petrobras jogou no lixo nesta semana ao invalidar sua base mais sólida, é um dos mais extensos dos 60 que compõem o estatuto da companhia e ditam as normas de seu funcionamento. Ao esmiuçar, com todos os pormenores possíveis, as exigências para validar indicados à alta administração da empresa, esse artigo buscou interromper o loteamento político dos cargos de comando, prática que atravessou governos, mas ganhou dimensão piramidal nas gestões petistas.

A trava, montada em 2016, quando a reputação da companhia havia sido puxada para o fundo do poço pelos escândalos de corrupção e manipulação política, não chegou a durar uma década. De volta ao poder, o governo petista, sem o menor pudor, desobedeceu à legislação logo na chegada, indicando um petista com mandato no Senado para presidir a Petrobras. Em seguida, instalou secretários do Ministério de Minas e Energia (MME) no Conselho de Administração. Por fim, para tornar perene a desobediência, rasga o estatuto na parte que bloqueava a interferência política.

Para o governo não foi difícil. Embora controle a petroleira com menos de 37% do capital total, a participação que a União detém nas ações com direito a voto supera os 50%. Assim, o governo Lula da Silva passou o rolo compressor na reunião de acionistas que mudou as regras estatutárias da Petrobras. Mais especificamente as que impediam que seus dirigentes e conselheiros representassem algum conflito de interesses para a companhia.

O empoderamento do Comitê de Indicação, Remuneração e Sucessão da empresa, responsável por analisar o cumprimento dos requisitos de todos os indicados aos cargos, também desceu pelo ralo. Na verdade, o órgão interno de governança já havia sido desautorizado antes, quando vetou os dois conselheiros indicados pelo MME e a decisão foi revertida por força de uma conveniente liminar do então ministro do STF Ricardo Lewandowski, que hoje, aposentado, figura na lista de cotados por Lula para substituir Flávio Dino no Ministério da Justiça.

A decisão isolada de Lewandowski, proferida em março, até hoje não foi levada ao plenário da Corte. Há expectativa de que o julgamento finalmente ocorra nos próximos dias, quase nove meses depois da decisão monocrática do ministro que suspendeu o trecho da Lei das Estatais que restringe indicações de conselheiros que sejam titulares de cargos públicos. Na época, o governo usou também essa decisão para garantir a permanência de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Agora, com base na decisão de Lewandowski, os representantes da União no Conselho de Administração propuseram a mudança no estatuto. E assim segue a Petrobras, com um erro sustentando o outro. Na manobra articulada pelo governo Lula da Silva, o que menos importa é a integridade da empresa que – é importante frisar – é uma sociedade de capital misto, com acionistas que não estão em busca de votos, mas sim de uma gestão eficiente.

Esses investidores não são crédulos a ponto de comprar o discurso do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que disse que “em absolutamente nenhum momento houve o desejo de contaminar a Petrobras com interesse político colocando gente lá por conta dessas mudanças”. Ao que parece, há uma presunção generalizada no governo de que qualquer meio justifica o fim que, no caso, é a perpetuação de um projeto de poder.

Está aberta a porteira da Petrobras para a entrada de integrantes do governo e seus aliados, políticos em exercício de mandato, dirigentes sindicais e partidários e colaboradores de campanhas políticas. Exatamente como ocorreu em gestões anteriores do PT, com uma ingerência política que desconhecia limites morais, éticos e até mesmo legais, que levou a companhia à beira do abismo.

Apenas o entendimento contrário dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) poderá interromper esse movimento afrontoso. Como o TCU apura irregularidades na política de indicações para cargos na empresa, somente após o julgamento, se o resultado for favorável à União, esse desrespeito poderá ser oficializado.

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