Primeiro Editorial do Estadão, 05/07/2023

 O esperneio estatizante do PT


Inconformado por perder no voto, PT apela para o Judiciário para tentar reverter a privatização da Copel e da Eletrobras, em franco desrespeito a decisões legislativas democráticas


Em mais uma tentativa de desqualificar a função legislativa, o PT ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a privatização da Copel, companhia de energia do Paraná, que segue o mesmo modelo adotado para a Eletrobras. Ocorre que o processo foi aprovado pelos deputados estaduais paranaenses não apenas em um, mas em três turnos de votação, e por ampla maioria.

Mas os petistas querem agora um quarto turno, no Supremo, conforme deixou claro o deputado Arilson Chiorato (PT) ao final das sessões da Assembleia Legislativa do Paraná que legitimaram a operação do governo estadual: “A partir do ano que vem, nós vamos retomá-la (a Copel) na Justiça, pelo governo federal”, anunciou o líder da oposição depois de sacramentada a derrota no Legislativo local, em novembro do ano passado.

Fiava-se o deputado no apoio do governo de Lula da Silva, que acabara de ser eleito para o terceiro mandato. Por um instante, Lula deu a impressão de que contrariaria essa expectativa, ao pedir, pouco depois da posse, em janeiro, que os partidos da base governista deixassem de “judicializar a política”. Aos líderes aliados, o presidente disse: “A gente perde uma coisa no Congresso e, ao invés de a gente aceitar a regra do jogo democrático de que a maioria vence e a minoria cumpre aquilo que foi aprovado, a gente recorre a uma outra instância para ver se a gente consegue ganhar”. Para o Lula de então, esse “método de fazer política” faz com que o Judiciário “fique legislando no lugar do Congresso”.

O Lula de agora, contudo, nada diz sobre a judicialização da política promovida por seu partido para reverter a privatização da Eletrobras e da Copel. Na prática, quer que o Judiciário legisle em favor de sua agenda estatizante, rejeitada em votações legislativas democráticas.

Não por coincidência, a ação no caso da Copel usa argumentos semelhantes aos apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU) na ação de inconstitucionalidade, que tramita também no STF, questionando critérios da capitalização da Eletrobras. Ardilosamente, o governo alega não estar pedindo na Justiça a reestatização. Mas, na prática, está sim.

Como já dissemos muitas vezes neste espaço, a prática perniciosa da judicialização da política, promovida por partidos derrotados no voto, não deveria passar sequer pela triagem dos requerimentos do Supremo. Mas não é isso o que se vê. Os pedidos não somente são acatados, como decisões liminares lhes conferem a legitimidade que não têm.

Foi esse o caso, por exemplo, da Adin que o PCdoB moveu contra a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) para questionar os dispositivos restritivos à indicação de políticos para cargos de direção em estatais. A finalidade da lei era a de evitar o uso político dessas empresas como um cabide de emprego de aliados do poder. Malgrado não haver qualquer afronta à Constituição na lei – pelo contrário, tratava-se de reafirmação do espírito constitucional de proteção da coisa pública –, a matéria foi levada à análise do STF e obteve do ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, uma liminar suspendendo o trecho que impedia ministros de Estado e secretários estaduais e municipais de atuarem em diretorias e conselhos de administração de estatais. O julgamento da ação segue suspenso.

A marcha petista para reverter, na marra, decisões tomadas por parlamentares eleitos legítima e diretamente pela população é, acima de tudo, antidemocrática na essência. Por esse motivo o Judiciário deveria rejeitar liminarmente qualquer iniciativa dos partidos derrotados, salvo se estivermos diante de flagrante inconstitucionalidade, o que não acontece em nenhum desses casos.

No exemplo específico de Eletrobras e Copel, foram dois longos processos de discussão. A iniciativa de privatização da Copel remonta ao início dos anos 2000, lá se vão mais de duas décadas. Já a resolução que inseriu a Eletrobras no Programa de Parcerias de Investimentos é de 2017, mas sua discussão começou anos antes. Foram debatidas, votadas, aprovadas e sancionadas. Têm de ser respeitadas.

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