Primeiro Editorial do Estadão, 21/06/2023

 

Senado tem o dever de rejeitar Zanin

Opinião do Estadão

Fere a Constituição a indicação de alguém sem notável saber jurídico e cujo único qualificativo é ter sido advogado de Lula. Na sabatina, é o Senado, não Zanin, que será avaliado pelo País

Tem sido dada como certa a aprovação pelo Senado do nome de Cristiano Zanin para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF). As notícias são de que, com um intenso trabalho de articulação com os senadores, o indicado do presidente Lula teria conseguido amenizar as resistências a seu nome. Seja como for, nada disso modifica o caráter inconstitucional e antirrepublicano da indicação de uma pessoa para a Corte constitucional cujo único qualificativo é ter sido o advogado pessoal do presidente da República. Trata-se de deboche com o Supremo e com a Constituição, a merecer categórica reprovação por parte dos senadores.

Existem pelo menos dois sérios motivos para rejeitar o nome de Cristiano Zanin para o STF. E eles não se baseiam em questões de natureza político-partidária, mas na estrita defesa da Constituição e do regime democrático.

Em primeiro lugar, o exercício do poder no Estado Democrático de Direito nunca é mero arbítrio. A lógica do “eu posso, eu faço, sem precisar dar satisfação a ninguém” é válida na esfera privada, na qual a lei assegura amplos espaços de liberdade. Na esfera pública, o exercício do poder é configurado por parâmetros e critérios definidos por lei. O princípio constitucional da impessoalidade proíbe o uso do cargo público para fins pessoais, seja para favorecer amigos, retribuir favores ou ter um advogado no papel de ministro do STF.

Como dissemos neste espaço por ocasião das indicações de Jair Bolsonaro ao STF, é inconstitucional “colocar amigos na Corte” para que, “uma vez lá dentro, eles continuem atuando como amigos e defensores de seus interesses”. Na ocasião, advertimos que, “mais do que magistrados, Jair Bolsonaro almeja aliados – se possível, vassalos – do governo dentro do STF” (ver editorial Sem aprovação automática, 20/10/2020). Na campanha eleitoral do ano passado, Lula criticou essa perversão do poder, mas agora, no cargo, fez rigorosamente a mesma coisa.

A previsão constitucional da participação do Senado no processo de preenchimento das cadeiras do Supremo tem uma função importante: garantir que a definição dos ministros do STF não seja mera escolha, mero arbítrio pessoal, do chefe do Executivo federal. O papel do Legislativo não é somente chancelar a indicação, mas assegurar o respeito à Constituição. Por isso, os Poderes são independentes.

O segundo motivo a exigir dos senadores um firme não à indicação de Lula para o cargo de ministro do STF é o descumprimento dos requisitos constitucionais. Cristiano Zanin pode ser um excelente advogado e ter um excelente conhecimento do Direito. No entanto, não dispõe do “notável saber jurídico” exigido pela Constituição.

Para preencher a exigência constitucional, não basta ter profundo conhecimento do Direito. É preciso que esse conhecimento seja notável. Não deve pairar nenhuma dúvida sobre sua existência e sua abrangência. Caso contrário, o conhecimento já não será “notável”. Essa dimensão pública do saber jurídico da pessoa indicada para o Supremo vincula-se estreitamente com o papel da Corte. Só dispondo de autoridade, ela poderá exercer sua função contramajoritária de defesa da Constituição. É imprescindível, portanto, não haver sombras sobre o saber jurídico de seus integrantes.

Na sabatina do nome indicado para o STF, os senadores não estarão exclusivamente no papel de avaliadores. Eles também serão avaliados pelo País sobre seu compromisso com a Constituição. O posicionamento de cada senador sobre a indicação de Cristiano Zanin não é mera opção político-partidária, a revelar se faz parte do governo ou da oposição. Relaciona-se com a defesa da Constituição e do regime democrático, uma vez que o tema diz respeito à autoridade do Supremo. Apenas um STF composto por ministros de reputação ilibada e notável saber jurídico tem efetiva capacidade de defender as liberdades fundamentais e as instituições democráticas.

Não são necessárias grandes conjecturas. O tema é simples. Com Zanin no STF, a necessária imparcialidade da Justiça ficará mais evidente ou será ainda mais frágil?


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