Editorial do Estadão, 07/04/2022

 Medo da luz do dia


Numa democracia, os cidadãos têm direito à informação. Não cabe ao Palácio do Planalto negar acesso às informações sobre as visitas de Valdemar Costa Neto a Jair Bolsonaro



Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

07 de abril de 2022 | 03h00

O governo de Jair Bolsonaro não quer que o público saiba quando e quantas vezes Valdemar Costa Neto, presidente do PL, foi ao Palácio do Planalto. O Estadão solicitou os registros das visitas, mas o pedido foi negado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob a justificativa de risco à segurança do presidente da República. A alegação da burocracia bolsonarista é estapafúrdia. A informação sobre as idas de Valdemar Costa Neto ao Palácio do Planalto afeta outras coisas, algumas decerto inconfessáveis, mas não a segurança de Jair Bolsonaro.

Não é incomum que governos queiram ocultar informações que, sendo relevantes para a sociedade, podem prejudicar sua imagem, ao revelar, por exemplo, a existência de uma grande distância entre o discurso oficial e o que ocorre na prática. Para essas situações, os países democráticos adotam uma estratégia já bastante consolidada: privilegiam o acesso da população a tais informações, em detrimento de eventual interesse do governo em sentido contrário. Ou seja, em regimes democráticos, não cabe ao poder público definir arbitrariamente o que mostrar e o que esconder. O cidadão tem direito às informações de interesse público.

Ao restaurar a democracia no País, a Constituição de 1988 definiu que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações (...) de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5.º, XXXIII). Em 2011, o Congresso Nacional regulamentou esse direito fundamental por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/11), à qual estão subordinados, entre outros, todos “os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público” (art. 1.º, § único, I).

A regra é a transparência, mas há exceções, como a própria Constituição admite. Para evitar que governos façam um uso abusivo das situações excepcionais, a partir de interpretações peculiares sobre o que seria sigilo “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, a LAI definiu em seu art. 23, de forma expressa, as hipóteses em que é possível restringir o acesso à informação.

As informações solicitadas sobre as visitas de Valdemar Costa Neto ao Palácio do Planalto não se enquadram em nenhuma das hipóteses do art. 23 da LAI. Não põem em risco a defesa e a soberania nacionais. Não prejudicam as relações do Brasil com outros países. Não comprometem as atividades de inteligência. Não causam risco a projetos de pesquisa. As informações apenas poderiam oferecer algumas pistas sobre como é o relacionamento do presidente Jair Bolsonaro com o líder do Centrão: se é habitual ou esporádico e se Bolsonaro conta frequentemente com o conselho do presidente do PL ou apenas em situações especiais.

As informações solicitadas são tão singelas – ninguém pediu ao GSI a gravação das conversas do presidente Bolsonaro com Valdemar Costa Neto, por exemplo – que a resistência do Palácio do Planalto em dar-lhes transparência é, por si só, bastante reveladora. O governo Bolsonaro prefere descumprir a Constituição e a LAI a mostrar ao público quantas vezes o presidente do PL foi ao Palácio do Planalto. Por que tanto receio? Essas informações são assim tão prejudiciais à imagem de Jair Bolsonaro em ano eleitoral?

A resistência à transparência por parte do governo federal não é de agora. Contrariando as promessas de 2018 – de que seria um governo limpo, sem escândalos de corrupção e sem negociações com o Centrão –, Jair Bolsonaro tem realizado uma das administrações mais opacas da história recente do País. São vários os exemplos: campanhas de desinformação, negativas abusivas a solicitações por meio da LAI, funcionamento de estruturas paralelas dentro dos Ministérios e até orçamento secreto. De fato, o governo não quer que a população veja o que ocorre dentro de suas repartições. Boa coisa não deve ser.

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