Rodrigo Janot quer aparentar isenção quando, na realidade, pretende beneficiar Lula



AS CONTRADIÇÕES DO PARECER DE RODRIGO JANOT, O ISENTÃO

Artigo de Taiguara Fernandes de Sousa


Nenhum isentão é capaz de manter-se empoleirado por muito tempo em cima do muro. Ora ou outra, o vento de um lado força-lhe a cair, derruba-lhe ao chão e ele precisa conviver com os ferimentos da queda. O isentão não tem peso corporal – ou melhor, moral – para resistir às intempéries e equilibrar-se na mureta fina onde, postado, pretende manter-se morno até o último momento, sem desagradar ninguém, somente a todos.

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, por exemplo, hoje deu um parecer sobre a nomeação de Lula para Ministro que só pode ser brincadeira – mas não, não é: é apenas um isentão falando.

Janot afirma que pode ser mantida a nomeação de Lula para Ministro da Casa Civil, pois “os arguentes não indicaram descumprimento de nenhum dos requisitos delineados pela Constituição da República para ocupação do cargo de Ministro Chefe da Casa Civil por Luiz Inácio Lula da Silva, o qual se encontra em pleno gozo dos direitos políticos, é maior de 21 anos e possui nacionalidade brasileira. Inexistência de investigação criminal em curso não é considerada, pela Constituição da República, requisito para provimento daquele cargo”.

O Procurador-Geral da República se apega, portanto, aos critérios meramente formais da Constituição (idade, nacionalidade, gozo dos direitos políticos) para dizer: sim, Lula pode ser Ministro.

Esquece-se Rodrigo Janot – não, é impossível que ele tenha realmente esquecido: houve uma “amnésia conveniente” - que a Constituição não sobrevive de critérios formais e que, antes mesmo disto, existe um conjunto de valores e princípios constitucionais mais importantes, que fundamentam tudo o mais, entre os quais os princípios da legalidade e da moralidade (que, se forem violados, tornam nulo o ato ilegal e imoral).

Na sua “amnésia conveniente”, vejam a contradição de Rodrigo Janot: ele diz que Lula pode ser Ministro porque cumpre os requisitos formais, porém, mais à frente, comentando sobre as provas de que a nomeação para Ministro teve apenas o objetivo de livrar Lula da competência do juiz Sérgio Moro, o Procurador afirma:

“A nomeação e a posse apressadas do ex-Presidente teriam como efeitos concretos e imediatos a interrupção das investigações conduzidas pelo Ministério Público Federal no primeiro grau de jurisdição […]. Diante desses fatores e da atuação inusual da Presidência da República em torno da nomeação, há elementos suficientes para afirmar ocorrência de desvio de finalidade no ato […]. A partir do acervo probatório dos autos e de elementos que se tornaram notórios desde a nomeação e posse do ex-Presidente, é lícito concluir que a nomeação foi praticada com a intenção, sem prejuízo de outras legítimas, de afetar a competência do juízo de primeiro grau.”

Como é possível alguém cometer uma contradição colossal destas unicamente para manter-se isento?

Se Rodrigo Janot afirma que o ato de nomeação foi ilegal – por causa do desvio de finalidade, isto é, quando o agente pública realiza um ato buscando um fim diferente daquele que ele deveria buscar; isto é causa de nulidade, segundo a Lei da Ação Popular (L. 4.717/1965) – então, ao contrário do que ele falou imediatamente antes, a nomeação não cumpriu os seus requisitos! A nomeação é nula porque não segue a sua finalidade legal!

Mais ainda: se Janot reconhece que a nomeação foi feita apenas para tirar o processo de Lula das mãos de Sérgio Moro, então há uma claríssima imoralidade no ato de nomeação, pois trata-se de um crime de obstrução de justiça, de uso da Administração Pública para fugir da persecução criminal. Tais atitudes são próprias do delinquente, de quem deve e, por isso, teme, como afirmou nos últimos dias o ex-Ministro do STF, Eros Grau.

Se o ato é imoral, então também não cumpre os requisitos constitucionais. Não é válido, pois viola o princípio constitucional da moralidade da Administração Pública. Pior: o ato revela o uso da Administração, dos poderes próprios da Presidência da República, para favorecer uma pessoa em específico, resolver um probleminha pessoal dela. E isto é violação do princípio constitucional da IMPESSOALIDADE, o que também torna o ato nulo.

Se Janot reconhece tudo isto, como ele consegue afirmar que a nomeação de Lula para Ministro pode ser mantida, porque “cumpriu os requisitos”?

A magnífica solução apresentada por Rodrigo Janot é a seguinte: mantém-se Lula Ministro (ainda que o ato de nomeação dele seja imoral, ilegal, eivado de desvio de finalidade), mas os processos contra ele continuam nas mãos de Sérgio Moro. Agrada-se a gregos e troianos: cede-se um pouquinho aqui, outro pouquinho acolá.

É um acinte, uma piada de mau gosto. Sequer possui lógica jurídica o que Rodrigo Janot está dizendo. Sequer possui LÓGICA INTERNA, pois ao dizer uma coisa, ele nega a outra. Um parecer vergonhoso para a Procuradoria-Geral da República.A que mesquinhez chegam as pessoas para se manter isentas.

OS EFEITOS PRÁTICOS

Aos que estão preocupados com o alcance deste parecer: ele foi prestado por Janot no curso de dois outros processos sobre a nomeação de Lula, as ADPF's (Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental, um tipo processo de controle de constitucionalidade) nº 390 e 391, que estão com o Ministro Teori Zavascki. São processos independentes dos Mandados de Segurança que estão com Gilmar Mendes e que já possuem uma liminar suspensiva da nomeação de Lula.

Por enquanto, Teori Zavascki não fará nada que mude a decisão de Gilmar Mendes. Todos estes processos deverão ser reunidos e decididos juntos apenas em Plenário, por todos os Ministros – os Mandados de Segurança e as ADPF's também.

É claro que a manifestação do PGR sempre é importante, mas o parecer é tão contraditório que realmente se torna difícil prever a relevância que venha a ter no julgamento dos processos. Não vejo como esta questão possa ser decidida pelo “sim” e “não” ao mesmo tempo, como propôs o PGR, mas apenas por um ou outro: ou o ato de nomeação de Lula é nulo, ou não é.

Janot, de tanto tentar agradar a gregos e troianos, acabou tornando seu parecer tão nulo quanto a nomeação de Lula.

O QUE RODRIGO JANOT REALMENTE ESTÁ PROPONDO AO STF?

Ao propor que Lula possa ser Ministro, mas que a competência para o seu processo continue nas mãos do juiz Sergio Moro, Rodrigo Janot está ocultando o principal efeito daquilo que está sugerindo: ocorre que a Constituição, no art. 51, I, exige autorização da Câmara dos Deputados "por dois terços de seus membros, [par] a instauração de processo contra [...] os Ministros de Estado".

O STF já definiu que este controle político prévio da Câmara dos Deputados envolve "qualquer acusação penal [...], compreendidas, na locução constitucional ‘crimes comuns’, todas as infrações penais, inclusive as de caráter eleitoral, e, até mesmo, as de natureza meramente contravencional" (HC 80.511, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-2001, Segunda Turma, DJ de 14-9-2001).

Por outro lado, o STF também já definiu que esta autorização da Câmara só vale para a instauração os processos, mas "não se irradia a ponto de apanhar prática de ato judicial diverso como é o referente à prisão preventiva na fase de inquérito." (HC 102.732, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 4-3-2010, Plenário, DJE de 7-5-2010.) Ou seja, uma possível prisão preventiva autorizada por Sergio Moro não precisaria pedir autorização da Câmara.

O que Rodrigo Janot está realmente propondo aos Ministros do STF é que julguem os processos assim: Lula continua sob competência de Sergio Moro durante a investigação e até mesmo para uma possível prisão preventiva, mas o juiz não poderá passar disto.

Para receber uma denúncia e tornar Lula réu de processo penal (não apenas investigado), ele terá de pedir antes licença à Câmara dos Deputados, conforme o art. 51, I da Constituição.

Rodrigo Janot, portanto, ocultou o principal efeito de propor que Lula possa ser Ministro, mesmo sob a competência do juiz Sergio Moro.


Taiguara Fernandes de Sousa é advogado e jornalista

(copiado de: http://www.sulconnection.com.br/noticias/2841/as-contradies-do-parecer-de-rodrigo-janot-o-isento)

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