Apostando no fracasso
A nova herança maldita
06 de janeiro de 2013 | 2h 04
O Estado de S.Paulo
A manobra do governo para improvisar R$ 15,8 bilhões de receita e maquiar as
contas de 2012 foi mais uma prova do firme compromisso da presidente Dilma
Rousseff com o atraso e o subdesenvolvimento. Em apenas dois anos ela conseguiu
bem mais que a triste façanha de um crescimento acumulado inferior a 4%.
Qualquer país pode atravessar uma fase de estagnação e sair da crise mais forte
e preparado para um longo período de expansão. O Brasil poderá até se mover um
pouco mais em 2013, mas ninguém deve iludir-se quanto às perspectivas de médio
prazo. As bases de uma economia saudável, promissora e atraente para
empreendedores de longo prazo estão sendo minadas por uma política voluntarista,
imediatista, populista e irresponsável, embalada num mal costurado discurso
desenvolvimentista.
O governo manchou mais uma vez sua imagem e sua credibilidade ao montar uma
operação com o Fundo Soberano e dois bancos estatais para encenar o cumprimento
da meta fiscal. O truque, só conhecido publicamente nesta semana, foi um
complemento perfeito do pacotaço do fim de ano.
Sem disposição para cobrar do Congresso a aprovação do Orçamento até 31 de
dezembro, a presidente assinou medida provisória (MP) para liberar desde o
início do ano R$ 42,5 bilhões. A Constituição, no entanto, só autoriza esse
procedimento para despesas "imprevisíveis e urgentes", decorrentes de guerra,
comoção interna ou calamidade pública. Ainda antes do réveillon, a presidente
embutiu num projeto de lei complementar sobre a dívida de Estados e municípios
um dispositivo para afrouxar a Lei de Responsabilidade Fiscal e facilitar a
distribuição de benefícios tributários sem os cuidados indispensáveis ao
equilíbrio das contas. Como a saúde orçamentária é irrelevante, o Executivo
ainda aproveitou a virada do ano para reduzir os juros cobrados pelo Tesouro no
repasse de recursos ao BNDES.
Esses repasses totalizaram R$ 285 bilhões a partir de 2009, quando o
Executivo decidiu estimular com recursos orçamentários o crédito para
investimento. Lançada como ação temporária contra a recessão, a transferência de
verbas do Tesouro ao BNDES foi mantida nos anos seguintes, numa crescente e
perigosa promiscuidade financeira. Com essa política, o Executivo ressuscitou,
com nova aparência, a famigerada conta movimento, extinta no fim dos anos 80
depois de grandes danos às políticas fiscal e monetária.
A eliminação dessa conta foi um dos primeiros passos de um longo e difícil
trabalho de recuperação dos principais instrumentos da estabilidade
macroeconômica. As políticas monetária e fiscal só seriam efetivamente
restabelecidas depois do lançamento do Plano Real, em 1994. A tarefa só seria
completada entre 1999 e 2000, quando se articularam as políticas de meta de
inflação, meta fiscal e câmbio flutuante. A Lei de Responsabilidade Fiscal,
aprovada em 2000, reforçaria nos anos seguintes um novo padrão para as finanças
públicas.
O tripé formado pelas políticas monetária, cambial e fiscal foi mantido, em
linhas gerais, até 2010, mas com perigosa tolerância com a expansão dos gastos
federais e com uma inflação quase sempre bem superior àquela observada nas
economias mais competitivas. Além disso, a administração petista sempre
desprezou, no governo federal, critérios de eficiência, profissionalismo e
impessoalidade. O partido aparelhou e loteou milhares de cargos no governo
central e em suas empresas, comprometendo cada vez mais a gestão e a capacidade
de elaboração e execução de projetos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sujeitou as estatais às suas ambições
políticas e aos interesses partidários. A deterioração da Petrobrás, o
emperramento dos projetos de infraestrutura e a ampla corrupção em vários
ministérios foram parte da herança deixada à sua sucessora. A presidente Dilma
Rousseff promoveu alguns acertos, mas, de modo geral, aperfeiçoou aquele triste
legado com novas manifestações de voluntarismo e imediatismo, sem poupar sequer
a precária autonomia do Banco Central e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma
nova herança maldita, muito pior que a recebida em 2011, está em formação.
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