Principal editorial do Estadão de hoje (18/12/12)
Dilma, Lula e o uso das agências
18 de dezembro de 2012 | 2h 08
O Estado de S.Paulo
Investigado pela Polícia Federal e denunciado como chefe de uma quadrilha
envolvida em compra de pareceres técnicos, o ex-diretor da Agência Nacional de
Águas (ANA) Paulo Vieira descreveu-a como "um dos maiores cabides de empregos e
de cargos comissionados do governo". O orçamento milionário da agência,
acrescentou, tem beneficiado ONGs em contratos firmados, na maioria dos casos,
sem licitação. Formuladas em entrevista ao jornalista Fausto Macedo, do Estado,
essas acusações acrescentam elementos importantes à escandalosa história
desvendada pela Operação Porto Seguro, uma investigação sobre tráfico de
influência e corrupção em vários órgãos da administração central, incluído o
escritório da Presidência da República em São Paulo. Rosemary Noronha, ligada ao
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chefiou esse escritório até há poucos
dias. Paulo Vieira acusou policiais e procuradores de tentar proteger
autoridades da área do meio ambiente. Mesmo sem essa declaração, sua entrevista
já seria valiosa por deixar clara, mais uma vez, a desmoralização das agências
reguladoras pelo governo petista.
Desde o início de sua gestão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
declarou-se contrário à autonomia operacional das agências. O governo anterior
havia proposto um modelo semelhante ao encontrado em democracias maduras e
economicamente desenvolvidas. As agências deveriam ser órgãos de Estado e não de
governo, essencialmente técnicos e imunes, tanto quanto possível, à influência
política dos governantes. Esse modelo foi seguido na prática durante alguns
anos, mas sua consolidação dependeria da aprovação de leis específicas.
Segundo o presidente Lula e figuras influentes de seu partido, as funções
atribuídas a essas agências correspondiam a uma terceirização do governo. Da
mesma forma, esse grupo sempre rejeitou a ideia de um Banco Central (BC)
autônomo.
O presidente foi bastante esperto, no entanto, para perceber a vantagem
político-eleitoral de uma gestão monetária conduzida com independência por um
grupo tecnicamente qualificado e respeitado no setor financeiro. O razoável
controle da inflação obtido pelo BC entre 2003 e 2006 foi essencial para a
preservação do salário real e, portanto, para o êxito das políticas de
transferência de renda e de valorização do salário mínimo. A reeleição foi
amplamente facilitada pelo êxito da política monetária, embora empresários e
políticos reclamassem dos juros altos.
Os demais órgãos reguladores foram tratados de outra forma. O Executivo
combateu no Congresso quaisquer projetos de consolidação da autonomia dos entes
reguladores. Além disso, tratou de enfraquecer as agências, atrasando o repasse
de recursos necessários ao seu funcionamento e atrasando a indicação de
diretores para completar seus quadros. Algumas passaram muito tempo sem quórum
para deliberação. Como complemento, o presidente e seu grupo aparelharam e
lotearam as agências, distribuindo diretorias entre aliados e companheiros.
A indicação para esse tipo de cargo, disse Paulo Vieira, envolve um misto de
avaliação técnica e de articulações políticas. Ele mesmo, segundo acrescentou,
dependeu do apoio de políticos e da ajuda de Rosemary Noronha. "Todos os
diretores da ANA são indicados por políticos", afirmou. A mesma afirmação vale
para boa parte das diretorias de agências reguladoras, assim como para postos
importantes em ministérios e estatais.
A chefe da Casa Civil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ministra Dilma
Rousseff, também sempre se opôs à autonomia operacional das agências. Nunca
divergiu do uso dos entes reguladores para fins partidários e eleitorais. Nunca
resistiu à centralização das decisões econômicas e da gestão das estatais no
gabinete presidencial. Na chefia do governo, exibiu uma inclinação indiscutível
para o uso autoritário do aparelho administrativo, incluídos o BC e as empresas
de capital misto. Não se pode, portanto, discutir o aparelhamento, a
desmoralização e o uso partidário das agências sem levar em conta a atuação da
atual presidente. Quanto a esse ponto, ela seguiu fielmente seu padrinho e guru.
O caso da ANA é só um pedaço dessa história.
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