"Elles" não desistem
A resistência da toga
26 de julho de 2012 | 3h 09
26 de julho de 2012 | 3h 09
O Estado de S.Paulo
Apesar de ser integrada por uma maioria de profissionais honestos e sérios, a
magistratura brasileira continua padecendo da doença do corporativismo - e por
isso resiste a toda inovação institucional destinada a tornar a Justiça mais
transparente.
Foi assim com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) n.º 45, em dezembro
de 2004, que permitiu a reforma do Poder Judiciário que, entre outras inovações,
criou o instituto jurídico do mandado de injunção. Na época, entidades da
magistratura acusaram esse mecanismo processual - cujo objetivo é agilizar as
decisões judiciais, obrigando os tribunais inferiores a seguir a jurisprudência
firmada pelo Supremo Tribunal Federal - de suprimir as prerrogativas e a
autonomia dos juízes de primeira instância.
O mesmo aconteceu com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão
instituído pela EC n.º 45 para promover o controle do Judiciário e combater a
morosidade e o corporativismo dos tribunais. A magistratura se opôs à sua
criação pelo Congresso, alegando que o CNJ comprometia a independência da
Justiça, desfigurando o princípio da tripartição dos Poderes. Derrotadas no
plano político, as entidades de magistrados questionaram no Supremo - sem
sucesso - a competência do CNJ para investigar as Justiças estaduais e abrir
sindicâncias contra juízes e desembargadores acusados de desvio de conduta e
quebra de decoro. Entre 2005 e 2011, a Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho, a Associação dos Juízes Federais, a Associação dos
Magistrados Brasileiros e a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais
moveram 20 ações diretas de inconstitucionalidade contra o CNJ.
Desde que esse órgão foi instalado, em 2005, as entidades da magistratura
resistiram a iniciativas moralizadoras do órgão, como a proibição da contratação
de parentes para cargos de confiança e outras formas de nepotismo, a
obrigatoriedade de concurso público para a seleção dos titulares dos cartórios
judiciais, o enquadramento das corregedorias judiciais, o controle dos gastos
com comemorações e viagens e a proibição de patrocínio de eventos esportivos e
atividades de lazer de juízes e desembargadores por empresas públicas e
privadas.
Agora, a magistratura volta-se contra a Lei de Acesso à Informação, que
obriga o funcionalismo público a divulgar os salários de cada um de seus juízes
e servidores. Em reunião realizada na semana passada, o Colégio Permanente de
Presidentes dos Tribunais de Justiça criticou a resolução do CNJ que estabeleceu
o dia 20 de julho como data-limite para a publicação dos nomes, salários, abonos
e gratificações do Judiciário. Dos 91 tribunais do País, 41 não cumpriram a
determinação. O presidente do Colégio classificou como "curiosidade mórbida" a
divulgação da lista nominal com os salários.
Alegando que a publicação compulsória fere garantias fundamentais, entidades
de magistrados entraram com pedido de liminar para suspendê-la. Esquecendo-se de
que os salários do funcionalismo são pagos pelos contribuintes, o presidente da
Associação dos Magistrados Brasileiros, Nelson Calandra, disse que o CNJ violou
o direito à privacidade dos serventuários judiciais. Defendendo só a divulgação
dos salários e "sem nome de ninguém", afirmou que a publicação de informações
adicionais submete os juízes a uma exposição desnecessária. "Um servidor de
qualquer órgão público pode se achar vítima de bullying, porque foi publicada
uma relação com seu salário. Se ele era bem cortejado na sociedade, pode sofrer
bullying porque não ganha de acordo com sua aparência", concluiu.
A divulgação dos vencimentos do funcionalismo, por força da Lei de Acesso à
Informação, é uma forma de alertar a sociedade para as distorções salariais no
setor público. E elas são assustadoras, pelo que já foi publicado até agora,
mostrando os expedientes dos tribunais para contornar o teto salarial imposto
pela Constituição, assegurando remunerações absurdas para juízes e
desembargadores. Ao resistir à divulgação do destino dado ao dinheiro dos
contribuintes, alguns juízes continuam agindo como se estivessem acima das
instituições e da sociedade.
(Editorial do Estadão de hoje, 26/07/12)
(Editorial do Estadão de hoje, 26/07/12)
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