A Sealopra do governo dos aloprados

A estratégia da megalomania

O brado do retumbante ministro de Ações de Longo Prazo, Roberto Mangabeira Unger "O Brasil vai se levantar" (da "subserviência", explicou) - "O Brasil vai às armas!" -, na solenidade de lançamento da Estratégia Nacional de Defesa, na quinta-feira, desconcertou o presidente Lula. Ele próprio não raro abusado com as palavras, sentiu-se obrigado a corrigir a patriotada do colaborador, esclarecendo que o País não está se preparando para alguma guerra, mas para investir em tecnologia militar. Antes fosse a jaculatória do ministro apenas uma impropriedade a destoar do anúncio de um programa sério e consistente. Mas a Estratégia que saiu de sua cabeça não é uma coisa nem outra. De um lado, é delirante. De outro, cria condições para perturbar sem a menor necessidade as relações do País com a comunidade internacional.É delirante porque, em vez de estabelecer programas realistas de modernização do equipamento das Forças Armadas, para a dissuasão de eventuais ameaças vindas de atores estatais (um governo estrangeiro) ou não-estatais (organizações criminosas ou até megaempresas), o plano divulgado pelo governo fala, por exemplo, em capacitar o Brasil a desenvolver um caça de quinta geração, ou comprando tecnologia do exterior - que não está propriamente à venda e muito menos em oferta -, ou desenvolvendo-a a quatro mãos com outros países. Eis um acesso de megalomania irresponsável, que expõe o Brasil ao ridículo. Um caça de quinta geração não sai por menos de US$ 3 bilhões - só o projeto. De onde sairá a dinheirama? Não será do sistema financeiro global em crise de crédito e de confiança, nem de alguma agência multilateral de promoção do desenvolvimento, nem do orçamento das Forças Armadas que tão cedo não terá para onde crescer, sendo já o segundo maior da União, abaixo apenas dos gastos com saúde. É de enrubescer. Não menos constrangedora é a idéia de condicionar a aquisição de novos jatos, para renovar a frota inteira de caças ao longo dos próximos 17 anos, à disposição do fornecedor de transferir ao País a respectiva tecnologia. Como se a indústria bélica estrangeira e os governos a que respondem não vissem a hora de proporcionar quase de graça ao Brasil o caríssimo know-how em que se baseia a competitividade do setor.Mas se isso o público externo pode debitar a um irrelevante surto de auto-afirmação de um país que já parecia ter superado compulsões do gênero, o mesmo não se aplica, pela sua gravidade, a outra sacada do documento. Afirma-se ali que o Brasil "não aderirá a acréscimos ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do tratado: seu próprio desarmamento". Isso significa que o Brasil resistirá às pressões para assinar os protocolos adicionais ao TNP - como praticamente só não fizeram ainda, entre os seus signatários, os países-párias. Entre outras coisas, os protocolos concedem à Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) poderes de fiscalizar de forma mais intensa, ou intrusiva, no jargão diplomático, instalações nucleares para fins declarados pacíficos.É o caso dos centros brasileiros de enriquecimento de urânio. Ao cobrar, numa atitude pueril, que as potências atômicas reduzam os seus arsenais, o governo tenta dar uma capa de respeitabilidade ao seu alegado receio de expor os segredos industriais do sistema de enriquecimento de urânio à bisbilhotagem doravante exacerbada dos fiscais da Aiea. A alegação não se sustenta por dois motivos elementares. O primeiro é que, em toda a sua história, nunca se soube de um caso em que a agência teria repassado a terceiros as informações recolhidas nos países onde está autorizada a agir. O segundo motivo é que as informações suscetíveis de serem contrabandeadas das instalações brasileiras de enriquecimento de urânio pelo método conhecido da ultracentrifugação são já de domínio do establishment nuclear dos países avançados. Mas a bravata dos nacionalistas de plantão no Planalto poderá ter conseqüências práticas, sujeitando o País a sanções como o bloqueio do acesso aos materiais chamados de "duplo uso", que tanto podem ser utilizados pela indústria nuclear (pacífica ou bélica) como na produção de bens e produtos de consumo corrente. É essa a idéia?

(Estadão, 19/12/08)

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