Editorial do Estadão, 14/07/2022

 A conta da demagogia será salgada


Com renúncias fiscais sem critério e gastança generalizada, governo Bolsonaro deixará como herança para o próximo presidente um inevitável aumento da carga tributária


Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
14 de julho de 2022 | 03h00


O preço de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que rasga regras fiscais, eleitorais e constitucionais já começou a ser embutido pelo mercado financeiro na curva futura de juros e na cotação do dólar. Há, no entanto, uma conta que precisará ser paga pela sociedade em 2023 e que muito provavelmente demandará medidas duras por parte de uma equipe econômica que tenha o mínimo de responsabilidade, algo ausente na atual administração. Por meio da PEC Camicase, o governo quer ampliar o universo de contemplados no criticado Auxílio Brasil de 18 milhões para 20 milhões de famílias, segundo reportagem do Estadão. Essa inclusão, somada ao reajuste do piso do benefício de R$ 400 para R$ 600, deve fazer com que o custo do programa suba para até R$ 150 bilhões em 2023, ante quase R$ 90 bilhões neste ano. Ainda que o aumento do benefício seja válido até 31 de dezembro, é improvável que o futuro presidente da República, seja quem for o escolhido, esteja disposto a anunciar um corte nos pagamentos ainda nos primeiros dias de seu mandato.

Encontrar novas fontes de custeio para esta e outras despesas da União será uma das primeiras e mais urgentes tarefas do governo. Algo que já seria desafiador em qualquer situação se torna cada dia mais necessário, considerando a disposição da atual gestão de abrir mão de receitas – como se o País estivesse registrando um superávit nominal capaz de reduzir a dívida pública, e não um déficit que deve atingir 6,7% do PIB neste ano, segundo o mais recente boletim Focus. Somente o terraplanismo econômico e o desespero eleitoral explicam o fato de que o Executivo, depois de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sem qualquer efeito nos preços das mercadorias e de zerar os tributos sobre diesel e gás de cozinha, ainda acredite haver espaço fiscal para lançar um pacote de incentivos para a indústria neste momento.

Como revelou o Estadão, está em análise a publicação de um decreto que reduz, de 20 para 1 ano, o prazo de depreciação na compra de máquinas e equipamentos pela indústria. Sabe-se que não é o tempo de depreciação que contém o ímpeto de investimentos da indústria, mas uma combinação de baixa produtividade, juros elevados e crescimento econômico pífio, razão pela qual é seguro inferir que o objetivo da medida é outro: uma tentativa de comprar o apoio político de parte da indústria nacional. Em termos práticos, no entanto, será mais uma renúncia fiscal bilionária em um país dono de um Orçamento engessado por despesas obrigatórias e saqueado por emendas de relator, e que, a despeito de toda a gastança promovida pelo governo com o apoio da oposição e da dita “terceira via”, é incapaz de garantir um prato de comida por dia para 15,4 milhões de pessoas.

Eis a herança maldita de Jair Bolsonaro para seu sucessor. Se os três anos de governo foram ruins, não há outro termo para definir a versão turbinada do presidente, agora em modo reeleição. A combinação de renúncias e gastos irresponsáveis à revelia do teto de gastos, aliada a uma inflação elevada e que promete causar um estrago na arrecadação de 2023, deixará um cenário deteriorado em termos fiscais, tributários e sociais para a União. Ainda nem entraram nessa conta as consequências nefastas da chantagem sobre os Estados, punidos pela imposição de um teto no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de bens essenciais, principal fonte de receitas. A chance de que mais governadores precisem recorrer ao socorro federal para pagar suas contas não é nada desprezível – e quem garante esses financiamentos é justamente o Tesouro Nacional. Não é por acaso que o mercado reduziu as projeções para o crescimento da economia para 0,50% em 2023, e já há até quem preveja uma recessão. É nesse cenário tenebroso que o novo governo terá que formar consensos políticos e encarar discussões adiadas há 30 anos, como uma reforma tributária que, tudo indica, exigirá mais do que uma desejável simplificação, mas também um impopular e inevitável aumento da carga de impostos.

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