Editorial do Estadão sobre o STF
Falta serenidade
O Estado de S.Paulo
19 de agosto de 2012 | 3h 07
O clima de hostilidade entre alguns ministros do Supremo Tribunal Federal no
julgamento do mensalão parece ter chegado a um ponto tal, que esses juízes não
parecem mais preocupados somente em expor seus pareceres sobre o processo, e sim
em fazê-lo com o intuito de contrariar algum desafeto em plenário, com
transmissão ao vivo pela televisão. Não é preciso salientar o dano que isso
causa à instituição que esses magistrados representam, cuja tarefa é interpretar
e fazer cumprir a Constituição.
O confronto se dá no momento em que os votos dos ministros sobre o mensalão
começam a ser pronunciados, ou seja, quando um dos maiores casos de corrupção da
história brasileira terá enfim o seu esperado desfecho. A autoridade do Supremo,
neste como em outros casos, emana justamente da demonstração de sua idoneidade
inequívoca ao tomar decisões. Mas a fogueira de vaidades ali instalada abala a
esperança de que se alcançará, de fato, um juízo sereno.
A atmosfera envenenada ficou explícita nos últimos dias. Na quarta-feira, o
relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, se disse atacado por advogados
que haviam pedido sua suspeição o acusando de conduzir-se de modo a obter
"reconhecimento social" - insinuando que o ministro atende a apelos midiáticos.
Barbosa apontou "má-fé" dos advogados e propôs ao plenário o envio de um ofício
à OAB, denunciando infração ética. Apenas o ministro Luiz Fux solidarizou-se com
o relator. "Cada país tem o modelo e o tipo de Justiça que merece", reagiu
Barbosa.
No dia seguinte, Barbosa desentendeu-se com o revisor do processo, Ricardo
Lewandowski, sobre o método de votação. O relator queria votar a denúncia por
itens, e o revisor insistia na leitura integral. Lewandowski acusou Barbosa de
"seguir a ótica do Ministério Público, que dividiu as acusações por núcleos,
admitindo desde logo que eles existem". O relator retorquiu: "Isso é uma
ofensa". Após várias reuniões e acaloradas discussões, Lewandowski aceitou a
leitura "fatiada" de seu voto.
Como se nota, o conflito entre os ministros dificulta até a definição do
próprio rito processual. Em lugar de contribuir para elucidar as complicações do
caso, muitos desses "debates" servem somente para alimentar egos e afirmações
pessoais.
A disputa se dá também fora do plenário, porque alguns dos ministros não se
contêm e deixam entrever como pretendem votar ou então se permitem criticar
posicionamentos alheios. Lewandowski, por exemplo, já antecipou, numa
entrevista, que seu voto no caso será um "contraponto" ao do relator Barbosa. Os
dois ministros não perdem ocasião para se digladiar.
"É algo que nos entristece e nos deixa preocupados enquanto colegiado", disse
o ministro Marco Aurélio Mello, ele mesmo um dos mais ativos adversários da
intenção de Barbosa de acelerar o julgamento. E continuou: "Fica um grupo
puxando para um lado, um grupo puxando para outro, quando deveria haver respeito
ao consenso. A discussão deveria ser de ideias, e não descambar para o campo
pessoal". As palavras são sensatas, mas quem as pronuncia é também famoso por
explicitar críticas a seus pares - como quando, na véspera do início do
julgamento do mensalão, sugeriu o impedimento do ministro José Antonio Dias
Toffoli por suas ligações com o PT ou quando qualificou o relator Barbosa de
"todo-poderoso", por querer antecipar a leitura de seu voto.
Enquanto isso, cada questão levantada, por menor que seja, acaba dando
oportunidade para longas intervenções dos ministros, sempre focalizados pelas
sedutoras câmeras de televisão. Numa dessas intervenções, relativa ao ataque de
Barbosa contra os advogados, o ministro Celso de Mello levou meia hora arengando
sobre a importância dos advogados para o Estado de Direito. Quando o presidente
do Supremo, ministro Ayres Britto, pediu-lhe brevidade, Celso de Mello
respondeu: "Não me preocupa a angústia do tempo". E isso eram apenas as
preliminares!
O Supremo Tribunal Federal é o último recurso dos cidadãos na defesa de seus
direitos. Sua credibilidade, portanto, é essencial para o funcionamento da
democracia e depende, mais do que do conhecimento técnico, do comportamento
sereno de seus juízes.
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