Alerta!
O STF corre perigo
26 de agosto de 2012 | 3h 05
MARCO ANTONIO VILLA, HISTORIADOR E PROFESSOR DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR) - O Estado de S.Paulo
No julgamento do mensalão o Supremo Tribunal Federal (STF) está decidindo a
sua sorte. Mas não só: estará decidindo também a sorte da democracia brasileira.
A Corte deve servir de exemplo não só para o restante do Poder Judiciário, mas
para todo cidadão. O que estamos assistindo, contudo, é a um triste espetáculo
marcado pela desorganização, pelo desrespeito entre seus membros, pela
prolixidade das intervenções dos juízes e por manobras jurídicas.
Diferentemente do que ocorreu em 2007, quando do recebimento do Inquérito
2.245 - que se transformou na Ação Penal 470 -, o presidente Carlos Ayres Britto
deixou de organizar reuniões administrativas preparatórias, que facilitariam o
bom andamento dos trabalhos. Assim, tudo passou a ser decidido no calor da hora,
sem que tenha havido um planejamento minimamente aceitável. Essa insegurança
transformou o processo numa arena de disputa política e aumentou,
desnecessariamente, a temperatura dos debates.
Desde o primeiro dia, quando toda uma sessão do Supremo foi ocupada por uma
simples questão de ordem, já se sinalizou que o julgamento seria tumultuado.
Isso porque não interessava aos petistas que fosse tomada uma decisão sobre o
processo ainda neste ano. Tudo porque haverá eleições municipais e o PT teme que
a condenação dos mensaleiros possa ter algum tipo de influência no eleitorado
mais politizado, principalmente nas grandes cidades. São conhecidas as pressões
contra os ministros do STF lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva. O
ex-presidente agiu de forma indigna. Se estivesse no exercício do cargo, como
bem disse o ministro Celso de Mello, seria caso de abertura de um processo de
impeachment.
A lentidão do julgamento reforça ainda mais a péssima imagem do Judiciário.
Quando o juiz não consegue apresentar brevemente um simples voto, está
sinalizando para o grande público que é melhor evitar procurar aquela instância
de poder. O desprezo pela Justiça enfraquece a consolidação da democracia.
Quando não se entende a linguagem dos juízes, também é um mau sinal. No momento
em que observa que um processo acaba se estendendo por anos e anos - sempre
havendo algum recurso postergando a decisão final - a descrença toma conta do
cidadão.
Os ministros mais antigos deveriam dar o exemplo. Teriam de tomar a
iniciativa de ordenar o julgamento, diminuir a tensão entre os pares,
possibilitar a apreciação serena dos argumentos da acusação e da defesa,
garantindo que a Corte possa apreciar o processo e julgá-lo sem delongas.
Afinal, se a Ação Penal 470 tem enorme importância, o STF julga por ano 130 mil
processos. E no ritmo em que está indo o julgamento é possível estimar - fazendo
uma média desde a apresentação de uma pequena parcela do voto do ministro
Joaquim Barbosa -, sendo otimista, que deverá terminar no final de outubro.
Esse julgamento pode abrir uma nova era na jovem democracia brasileira, tão
enfraquecida pelos sucessivos escândalos de corrupção. A punição exemplar dos
mensaleiros serviria como um sinal de alerta de que a impunidade está com os
dias contados. Não é possível considerarmos absolutamente natural que a
corrupção chegue até a antessala presidencial. Que malotes de dinheiro público
sejam instrumento de "convencimento" político. Que uma campanha presidencial -
como a de Lula, em 2002 - seja paga com dinheiro de origem desconhecida e no
exterior, como foi revelado na CPMI dos Correios e reafirmado na Ação Penal
470.
A estratégia do PT é tentar emparedar o tribunal. Basta observar a ofensiva
na internet montada para pressionar os ministros. O PT tem uma vertente que o
aproxima dos regimes ditatoriais e, consequentemente, tem enorme dificuldade de
conviver com qualquer discurso que se oponha às suas práticas. Considera o
equilíbrio e o respeito entre os três Poderes um resquício do que chama de
democracia burguesa. Se o STF não condenar o núcleo político da "sofisticada
organização criminosa", como bem definiu a Procuradoria-Geral da República, e
desviar as punições para os réus considerados politicamente pouco relevantes,
estará reforçando essa linha política.
Porém, como no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, com as duas
aposentadorias previstas - dos ministros Cezar Peluso, em setembro, e Ayres
Britto, em novembro - o STF vai caminhar para ser uma Corte petista. Mais ainda
porque pode ocorrer, por sua própria iniciativa, a aposentadoria do ministro
Celso de Mello. Haverá, portanto, mais três ministros de extrema confiança do
partido - em sã consciência, ninguém imagina que serão designados ministros que
tenham um percurso profissional distante do lulopetismo. Porque desta vez a
liderança petista deve escolher com muito cuidado os indicados para a Suprema
Corte. Quer evitar "traição", que é a forma como denomina o juiz que deseja
votar segundo a sua consciência, e não como delegado do partido.
Em outras palavras, o STF corre perigo. E isso é inaceitável. Precisamos de
uma Suprema Corte absolutamente independente. Se, como é sabido, cabe ao
presidente da República a escolha dos ministros, sua aprovação é prerrogativa do
Senado. E aí mora um dos problemas. Os senadores não sabatinam os indicados. A
aprovação é considerada automática. A sessão acaba se transformando numa
homenagem aos escolhidos, que antes da sabatina já são considerados
nomeados.
Poderemos ter nas duas próximas décadas, independentemente de que partido
detenha o Poder Executivo, um controle petista do Estado brasileiro por
intermédio do STF, que poderá agir engessando as ações do presidente da
República. Dessa forma - e estamos trabalhando no terreno das hipóteses - o
petismo poderá assegurar o controle do Estado, independentemente da vontade dos
eleitores. E como estamos na América Latina, é bom não duvidar.
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