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Editorial do Estadão, 06/12/2025 - "Os intocáveis"

Os intocáveis Caso do youtuber condenado por criticar Flávio Dino mostra um Judiciário autoritário e corporativista A condenação criminal de Bruno Aiub, conhecido como Monark, pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região por chamar Flávio Dino, então ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de “tirânico” e “gordola” diz menos sobre os modos do youtuber e mais sobre a instituição que excretou essa sentença. Quem exerce o poder se expõe voluntariamente ao criticismo social. O ordenamento jurídico brasileiro é explícito: autoridades têm o dever de tolerar mais críticas. Hoje, porém, a sensibilidade dos ministros transformou-se numa espécie de direito fundamental. O caso é apenas a fotografia de um filme mais tenebroso: um Judiciário que passou de guardião das liberdades a vanguarda do autoritarismo. Desde o inquérito das fake news, o STF arrogou para si o papel de polícia de opinião. Censurou matérias jornalísticas, derrubou perfis inteiros e impôs um regime ...

Artigo de Fernando Schuller - Estadão, 29/11/2025 - "Nenhuma democracia liberal deveria aceitar como legítimo flexibilizar direitos por uma ‘boa causa"’

Opinião Nenhuma democracia liberal deveria aceitar como legítimo flexibilizar direitos por uma ‘boa causa’ É da tradição autoritária brasileira a ideia de que é justificável a quebra na ordem democrática para salvar a própria democracia Por Fernando Schüler 29/11/2025 | 09h00 Esta semana assistimos a mais um show do que se tornou um esporte favorito de nosso mundo de opinião. Algo na linha: “foi histórico prender estes golpistas e salvar a democracia. Mas agora chega, né?”. Agora é preciso que as “instituições”, leia-se, o Supremo , voltem a respeitar o beabá do estado de direito. A argumentação segue um padrão. De início, o elogio à exceção. “Venceu a democracia!”, leio em um texto mais animado. Em seguida, uma bizarra lista de “atropelos” cometidos pelas “instituições” em sua missão salvadora. Inquéritos abertos de ofício, sem sorteio do relator, sem fim ou objeto definido. Investigador, vítima, acusador e juiz na mesma pessoa. Punições com base em tipificações genéricas, penas despr...

Editorial do Estadão, 16/11/2025 - "A bagunça dos programas sociais"

A bagunça dos programas sociais TCU mostra que políticas públicas são dispersas e mal geridas, e a pobreza segue intacta. Uma governança eficiente pode fazer mais pelos pobres do que qualquer aumento improvisado de gastos O retrato traçado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) é incômodo: o Estado brasileiro é pródigo em gastos e pobre em resultados. O mais recente Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo revela um país que despende centenas de bilhões de reais em programas sociais, e, no entanto, vê a pobreza e a desigualdade persistirem quase intactas. O problema do Brasil não é gastar pouco, mas gastar mal. Falta coordenação entre ministérios, sobram programas sobrepostos e a cultura de avaliação é praticamente inexistente. O Cadastro Único, espinha dorsal da assistência social, permanece desatualizado e vulnerável: parte dos registros não é revisada há anos e faltam mecanismos de verificação cruzada entre os dados, o que compromete a focalização e gera pagame...

Artigo de Fernando Schuller - Estadão, 15/11/2025 - "Ideia de que 'agora' é hora de se retomar o Estado de Direito e absurda".

Ideia de que ‘agora’ é hora de se retomar o Estado de direito é absurda Em que momento alguém autorizou que nossas autoridades, ou nossos tribunais, abandonassem a trilha da lei e da normalidade institucional? Leio artigos e editoriais sugerindo que os abusos e excepcionalizações do STF já foram longe demais e que seria a hora de voltarmos à normalidade institucional. Li isto esta semana, na esteira do caso Tagliaferro, convertido em réu por denunciar coisas graves como manipulação de relatórios para punir pessoas e perseguições a cidadãos por visões políticas. Teríamos nos convertido em uma República que torna seu próprio sistema de poder imune à investigação e ao controle. E isto parece ter irritado algumas pessoas. Já havia lido algo nessa linha meses atrás, após o julgamento de Bolsonaro . Feito o julgamento, a missão salvadora do Supremo basicamente estaria cumprida e seria o caso agora de retomarmos a trilha da Constituição. A pergunta que me faço é simples: em que momento algu...

Segundo editorial do Estadão, 14/11/2025 - "Um processo absurdo"

Um processo absurdo O caso Tagliaferro – que, por denunciar um suposto abuso de Moraes, virou réu e será julgado pelo próprio juiz denunciado – expõe um Supremo que transforma a exceção em método Nenhum país se torna autocrático do dia para a noite. A degeneração institucional é um processo gradual, em que medidas “excepcionais”, no início incômodas, passam a ser aceitas como rotina. No Brasil, esse processo ganhou rosto e método. Sob o pretexto de defender a democracia, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma forma de poder que dissolve os freios e contrapesos constitucionais. O caso de Eduardo Tagliaferro – o ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes transformado em réu pelo próprio ministro que ele denunciou – é o retrato mais nítido de uma Corte que se julga infalível, e por isso se permite tudo. É um tribunal que, em vez de corrigir abusos, os institucionaliza. Segundo Tagliaferro, havia uma estrutura paralela dentro do Tribunal Superior Eleitoral, usada para monitorar c...

Editorial do Estadão, 09/11/2025 - "A arte do cancelamento"

  A arte do cancelamento Bienal de São Paulo levou a cultura do cancelamento aos extremos do ridículo ao impedir a participação de uma palestrante por causa dos pecados de um parente que morreu faz cem anos A Bienal de São Paulo cancelou um debate com a princesa Marie-Esméralda da Bélgica. Não por suas opiniões – o que já seria constrangedoramente autoritário. Marie-Esméralda, por sinal, é ambientalista, feminista e defensora dos indígenas. Mas ela foi condenada por associação a um parente de quarta geração morto há mais de um século: Leopoldo II – o monarca responsável por atrocidades no Congo. “Trate cada homem segundo o que merece, e quem escapará ao açoite?”, indagava o príncipe Hamlet. Imagine ser tratado segundo os deméritos do seu tio-bisavô? O que os diretores da Bienal sabem das eventuais transgressões de suas avós ou de seus tataravôs? Se o leitor tiver um tio ou irmão delinquente, deve pagar por ele? É a volta do Santo Ofício – agora de cabelo colorido e crachá de curado...

Editorial do Estadão, 13/10/2025 - "Falta de decoro generalizada"

  Falta de decoro generalizada Relatório mostra que quase todo o MP recebe remuneração anual acima do teto constitucional. Ou seja, não é exceção, mas regra – que desonra a missão de defender a ordem jurídica Exclusivo para assinantes Por Notas & Informações 13/10/2025 | 03h00 2 minde leitura O Estadão teve acesso a um relatório da Transparência Brasil que mostrou que, no ano passado, praticamente todos os membros do Ministério Público (98%) receberam remuneração anual acima do teto constitucional. A falta de decoro foi quantificada: o valor total dos pagamentos extrateto alcançou inacreditáveis R$ 2,3 bilhões. Mais uma bofetada na cara dos contribuintes de um Estado que nem ao menos se esforça para fazer valer seu poder de tributar retribuindo a todos os seus cidadãos bons serviços públicos e condições de vida minimamente dignas. Os Ministérios Públicos estaduais limitaram-se a dizer que os pagamentos acima do teto seguiram rigorosamente a legislação, o que só a...

Editorial do Estadão, 30/09/2025 - "Novo Código Civil demole a ordem jurídica"

  Exclusivo para assinantes Por Notas & Informações 30/09/2025 | 03h00 2 min de leitura O Senado instalou em setembro a comissão temporária encarregada de analisar o Projeto de Lei (PL) n.º 4/2025, que pretende reformar o Código Civil de 2002. O movimento ocorre em meio a uma onda de críticas sem precedentes. Não é para menos: longe de modernizar as bases jurídicas do País, ele ameaça dilapidá-las. Sob o pretexto de atualização, a proposta, gestada por uma comissão presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, altera quase 900 artigos, acrescenta 300, redesenha a estrutura e a linguagem do código e, na prática, fabrica um novo ordenamento civil – tudo produzido em apenas oito meses, sem debate público minimamente proporcional à magnitude da empreitada. Trata-se de uma artimanha: um novo Código Civil travestido de mera “revisão técnica”. O açodamento e a falta de pactuação social revelam não apenas imprudência, mas ilegiti...