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Editorial do Estadão, 16/11/2025 - "A bagunça dos programas sociais"

A bagunça dos programas sociais TCU mostra que políticas públicas são dispersas e mal geridas, e a pobreza segue intacta. Uma governança eficiente pode fazer mais pelos pobres do que qualquer aumento improvisado de gastos O retrato traçado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) é incômodo: o Estado brasileiro é pródigo em gastos e pobre em resultados. O mais recente Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo revela um país que despende centenas de bilhões de reais em programas sociais, e, no entanto, vê a pobreza e a desigualdade persistirem quase intactas. O problema do Brasil não é gastar pouco, mas gastar mal. Falta coordenação entre ministérios, sobram programas sobrepostos e a cultura de avaliação é praticamente inexistente. O Cadastro Único, espinha dorsal da assistência social, permanece desatualizado e vulnerável: parte dos registros não é revisada há anos e faltam mecanismos de verificação cruzada entre os dados, o que compromete a focalização e gera pagame...

Artigo de Fernando Schuller - Estadão, 15/11/2025 - "Ideia de que 'agora' é hora de se retomar o Estado de Direito e absurda".

Ideia de que ‘agora’ é hora de se retomar o Estado de direito é absurda Em que momento alguém autorizou que nossas autoridades, ou nossos tribunais, abandonassem a trilha da lei e da normalidade institucional? Leio artigos e editoriais sugerindo que os abusos e excepcionalizações do STF já foram longe demais e que seria a hora de voltarmos à normalidade institucional. Li isto esta semana, na esteira do caso Tagliaferro, convertido em réu por denunciar coisas graves como manipulação de relatórios para punir pessoas e perseguições a cidadãos por visões políticas. Teríamos nos convertido em uma República que torna seu próprio sistema de poder imune à investigação e ao controle. E isto parece ter irritado algumas pessoas. Já havia lido algo nessa linha meses atrás, após o julgamento de Bolsonaro . Feito o julgamento, a missão salvadora do Supremo basicamente estaria cumprida e seria o caso agora de retomarmos a trilha da Constituição. A pergunta que me faço é simples: em que momento algu...

Segundo editorial do Estadão, 14/11/2025 - "Um processo absurdo"

Um processo absurdo O caso Tagliaferro – que, por denunciar um suposto abuso de Moraes, virou réu e será julgado pelo próprio juiz denunciado – expõe um Supremo que transforma a exceção em método Nenhum país se torna autocrático do dia para a noite. A degeneração institucional é um processo gradual, em que medidas “excepcionais”, no início incômodas, passam a ser aceitas como rotina. No Brasil, esse processo ganhou rosto e método. Sob o pretexto de defender a democracia, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma forma de poder que dissolve os freios e contrapesos constitucionais. O caso de Eduardo Tagliaferro – o ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes transformado em réu pelo próprio ministro que ele denunciou – é o retrato mais nítido de uma Corte que se julga infalível, e por isso se permite tudo. É um tribunal que, em vez de corrigir abusos, os institucionaliza. Segundo Tagliaferro, havia uma estrutura paralela dentro do Tribunal Superior Eleitoral, usada para monitorar c...

Editorial do Estadão, 09/11/2025 - "A arte do cancelamento"

  A arte do cancelamento Bienal de São Paulo levou a cultura do cancelamento aos extremos do ridículo ao impedir a participação de uma palestrante por causa dos pecados de um parente que morreu faz cem anos A Bienal de São Paulo cancelou um debate com a princesa Marie-Esméralda da Bélgica. Não por suas opiniões – o que já seria constrangedoramente autoritário. Marie-Esméralda, por sinal, é ambientalista, feminista e defensora dos indígenas. Mas ela foi condenada por associação a um parente de quarta geração morto há mais de um século: Leopoldo II – o monarca responsável por atrocidades no Congo. “Trate cada homem segundo o que merece, e quem escapará ao açoite?”, indagava o príncipe Hamlet. Imagine ser tratado segundo os deméritos do seu tio-bisavô? O que os diretores da Bienal sabem das eventuais transgressões de suas avós ou de seus tataravôs? Se o leitor tiver um tio ou irmão delinquente, deve pagar por ele? É a volta do Santo Ofício – agora de cabelo colorido e crachá de curado...

Editorial do Estadão, 13/10/2025 - "Falta de decoro generalizada"

  Falta de decoro generalizada Relatório mostra que quase todo o MP recebe remuneração anual acima do teto constitucional. Ou seja, não é exceção, mas regra – que desonra a missão de defender a ordem jurídica Exclusivo para assinantes Por Notas & Informações 13/10/2025 | 03h00 2 minde leitura O Estadão teve acesso a um relatório da Transparência Brasil que mostrou que, no ano passado, praticamente todos os membros do Ministério Público (98%) receberam remuneração anual acima do teto constitucional. A falta de decoro foi quantificada: o valor total dos pagamentos extrateto alcançou inacreditáveis R$ 2,3 bilhões. Mais uma bofetada na cara dos contribuintes de um Estado que nem ao menos se esforça para fazer valer seu poder de tributar retribuindo a todos os seus cidadãos bons serviços públicos e condições de vida minimamente dignas. Os Ministérios Públicos estaduais limitaram-se a dizer que os pagamentos acima do teto seguiram rigorosamente a legislação, o que só a...

Editorial do Estadão, 30/09/2025 - "Novo Código Civil demole a ordem jurídica"

  Exclusivo para assinantes Por Notas & Informações 30/09/2025 | 03h00 2 min de leitura O Senado instalou em setembro a comissão temporária encarregada de analisar o Projeto de Lei (PL) n.º 4/2025, que pretende reformar o Código Civil de 2002. O movimento ocorre em meio a uma onda de críticas sem precedentes. Não é para menos: longe de modernizar as bases jurídicas do País, ele ameaça dilapidá-las. Sob o pretexto de atualização, a proposta, gestada por uma comissão presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, altera quase 900 artigos, acrescenta 300, redesenha a estrutura e a linguagem do código e, na prática, fabrica um novo ordenamento civil – tudo produzido em apenas oito meses, sem debate público minimamente proporcional à magnitude da empreitada. Trata-se de uma artimanha: um novo Código Civil travestido de mera “revisão técnica”. O açodamento e a falta de pactuação social revelam não apenas imprudência, mas ilegiti...

Artigo de Fernando Schuler, Estadão, 20/09/2025 - "Não há censura no Brasil?"

Não há censura no Brasil? Listo dez casos dos últimos anos Muitos cidadãos foram agredidos, em seus direitos, e isto jamais deveria acontecer em nossa democracia Por Fernando Schüler 20/09/2025 | 09h00 “No Brasil não existe censura”, disse o ministro Barroso , esta semana, na abertura de uma sessão do STF. A declaração me surpreendeu. Tenho apreço pelo ministro, de modo que dou uma resposta popperiana: listo dez casos de censura, no Brasil dos últimos anos. Se eles não existirem, está tudo bem. Mas se eles forem reais, quem sabe vale refletir sobre o que vem se passando, afinal, em nossa democracia. O primeiro é o ato inaugural. Muita gente acha que os inquéritos surgiram para salvar a democracia, mas não. Foi para censurar uma revista, em 2019 . Depois vem o caso do PCO. Um tuíte que quase ninguém leu, um “ataque” ao STF, quem sabe em nome da justiça soviética, e o minúsculo partido comunista foi apagado . O terceiro é o professor Marcos Cintra. Tuíte elegante sobre o resultado de alg...

Editorial do Estadão, 10/09/2025 - "Bolsonaro não vale uma missa"

  Bolsonaro não vale uma missa Os partidos devem refletir se vale a pena ampliar as tensões institucionais, paralisando o País neste momento importante, só para livrar da cadeia um desqualificado como o ex-presidente Ao aceitar pagar o preço de se converter ao catolicismo para ser coroado rei da França, o protestante Henrique de Navarra, em 1593, saiu-se com esta: “Paris bem vale uma missa”. E Jair Bolsonaro, vale uma missa? Em outras palavras: vale a pena ampliar as tensões institucionais e paralisar o avanço de projetos importantes para o Brasil só para tentar livrar da cadeia um completo desqualificado como Bolsonaro? Parte considerável do establishment político parece considerar que sim. Bolsonaro é muito útil para essa turma, pois desde as eleições de 2018 provou-se capaz de eleger muita gente só ao abrir a boca e declarar apoio. Nem sempre foi assim: recorde-se que na campanha de 2018, mesmo aparecendo bem nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro teve de se abrigar num pa...