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Editorial do Estadão, 15/12/2025 - "A hora mais escura da aliança atlântica"

  A hora mais escura da aliança atlântica Em entrevista, Trump deixa explícito que a Europa, antes parceira vital dos EUA, passou a ser obstáculo cultural, político e identitário, visão que converge com a da Rússia de Putin A entrevista de Donald Trump à revista Politico foi a exposição mais franca até agora de sua doutrina para a Europa. Ao insinuar que a vitória da Rússia contra a Ucrânia é questão de tempo, exigir eleições ucranianas sob bombardeio e tratar aliados históricos como fardos, o presidente americano rompeu publicamente com o pilar que sustentou a ordem ocidental desde 1945. A reação de Moscou à sua Estratégia de Segurança Nacional – “amplamente consistente com nossa visão” – apenas confirmou o essencial: não há equívoco, há alinhamento. Pela primeira vez desde a 2.ª Guerra, a estratégia americana evita classificar a Rússia como ameaça. Esse silêncio diz tudo. Na Casa Branca comandada por Trump, a Europa deixa de ser parceira vital e passa a ser obstáculo cultural, po...

Editorial do Estadão, 15/12/2025 - "Força, ministro Fachin"

  Força, ministro Fachin O Brasil precisa apoiar o presidente do STF, Edson Fachin, em sua tentativa de estabelecer um código de ética para o Supremo, porque, como era previsível, não está sendo fácil O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, propôs um código de ética para ministros. A reação dos colegas, entre a indiferença e a irritação, não poderia ser mais eloquente, razão pela qual, segundo se relata em Brasília, Fachin está isolado no Supremo. Diante disso, este jornal manifesta total apoio à iniciativa de Fachin – e concita o Brasil a fazer o mesmo. Se o presidente do Supremo está isolado na Corte, deve ficar claro para seus pares que o País está com ele. Suprema ironia: o tribunal que alterna seus dias entre promover cruzadas moralizantes e reescrever leis e a própria Constituição recusa-se a redigir um punhado de regras para si mesmo. Paradoxal, mas consequente: regulamentos elementares de decoro e transparência, que regem as cortes de democracias civil...

Primeiro editorial do Estadão, 08/12/2025 - "O Supremo está com medo".

  O Supremo está com medo Com a tentativa de limitar a possibilidade de impeachment de ministros, o STF afirma, em essência, que precisa se proteger do resultado da eleição para o Senado, um evidente disparate A liminar do ministro Gilmar Mendes que reescreveu o rito de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal marca um divisor de águas. Não se trata de interpretação, mas de mutação, ou melhor, de mutilação constitucional por canetada. Um único ministro eliminou o direito do cidadão de apresentar denúncia, entregou ao procurador-geral da República um monopólio acusatório inexistente na Constituição, elevou o quórum do Senado a patamar impraticável e aboliu o afastamento cautelar do acusado. É difícil imaginar gesto mais despudorado de autoblindagem – e mais contrário ao espírito republicano que o constituinte pretendeu instaurar. O ministro se justificou dizendo que a Lei do Impeachment, de 1950, está “caduca”. Ora, leis não “caducam”, a não ser que o legislador resolva ...

Editorial do Estadão, 06/12/2025 - "Os intocáveis"

Os intocáveis Caso do youtuber condenado por criticar Flávio Dino mostra um Judiciário autoritário e corporativista A condenação criminal de Bruno Aiub, conhecido como Monark, pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região por chamar Flávio Dino, então ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de “tirânico” e “gordola” diz menos sobre os modos do youtuber e mais sobre a instituição que excretou essa sentença. Quem exerce o poder se expõe voluntariamente ao criticismo social. O ordenamento jurídico brasileiro é explícito: autoridades têm o dever de tolerar mais críticas. Hoje, porém, a sensibilidade dos ministros transformou-se numa espécie de direito fundamental. O caso é apenas a fotografia de um filme mais tenebroso: um Judiciário que passou de guardião das liberdades a vanguarda do autoritarismo. Desde o inquérito das fake news, o STF arrogou para si o papel de polícia de opinião. Censurou matérias jornalísticas, derrubou perfis inteiros e impôs um regime ...

Artigo de Fernando Schuller - Estadão, 29/11/2025 - "Nenhuma democracia liberal deveria aceitar como legítimo flexibilizar direitos por uma ‘boa causa"’

Opinião Nenhuma democracia liberal deveria aceitar como legítimo flexibilizar direitos por uma ‘boa causa’ É da tradição autoritária brasileira a ideia de que é justificável a quebra na ordem democrática para salvar a própria democracia Por Fernando Schüler 29/11/2025 | 09h00 Esta semana assistimos a mais um show do que se tornou um esporte favorito de nosso mundo de opinião. Algo na linha: “foi histórico prender estes golpistas e salvar a democracia. Mas agora chega, né?”. Agora é preciso que as “instituições”, leia-se, o Supremo , voltem a respeitar o beabá do estado de direito. A argumentação segue um padrão. De início, o elogio à exceção. “Venceu a democracia!”, leio em um texto mais animado. Em seguida, uma bizarra lista de “atropelos” cometidos pelas “instituições” em sua missão salvadora. Inquéritos abertos de ofício, sem sorteio do relator, sem fim ou objeto definido. Investigador, vítima, acusador e juiz na mesma pessoa. Punições com base em tipificações genéricas, penas despr...

Editorial do Estadão, 16/11/2025 - "A bagunça dos programas sociais"

A bagunça dos programas sociais TCU mostra que políticas públicas são dispersas e mal geridas, e a pobreza segue intacta. Uma governança eficiente pode fazer mais pelos pobres do que qualquer aumento improvisado de gastos O retrato traçado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) é incômodo: o Estado brasileiro é pródigo em gastos e pobre em resultados. O mais recente Relatório de Fiscalizações em Políticas e Programas de Governo revela um país que despende centenas de bilhões de reais em programas sociais, e, no entanto, vê a pobreza e a desigualdade persistirem quase intactas. O problema do Brasil não é gastar pouco, mas gastar mal. Falta coordenação entre ministérios, sobram programas sobrepostos e a cultura de avaliação é praticamente inexistente. O Cadastro Único, espinha dorsal da assistência social, permanece desatualizado e vulnerável: parte dos registros não é revisada há anos e faltam mecanismos de verificação cruzada entre os dados, o que compromete a focalização e gera pagame...

Artigo de Fernando Schuller - Estadão, 15/11/2025 - "Ideia de que 'agora' é hora de se retomar o Estado de Direito e absurda".

Ideia de que ‘agora’ é hora de se retomar o Estado de direito é absurda Em que momento alguém autorizou que nossas autoridades, ou nossos tribunais, abandonassem a trilha da lei e da normalidade institucional? Leio artigos e editoriais sugerindo que os abusos e excepcionalizações do STF já foram longe demais e que seria a hora de voltarmos à normalidade institucional. Li isto esta semana, na esteira do caso Tagliaferro, convertido em réu por denunciar coisas graves como manipulação de relatórios para punir pessoas e perseguições a cidadãos por visões políticas. Teríamos nos convertido em uma República que torna seu próprio sistema de poder imune à investigação e ao controle. E isto parece ter irritado algumas pessoas. Já havia lido algo nessa linha meses atrás, após o julgamento de Bolsonaro . Feito o julgamento, a missão salvadora do Supremo basicamente estaria cumprida e seria o caso agora de retomarmos a trilha da Constituição. A pergunta que me faço é simples: em que momento algu...

Segundo editorial do Estadão, 14/11/2025 - "Um processo absurdo"

Um processo absurdo O caso Tagliaferro – que, por denunciar um suposto abuso de Moraes, virou réu e será julgado pelo próprio juiz denunciado – expõe um Supremo que transforma a exceção em método Nenhum país se torna autocrático do dia para a noite. A degeneração institucional é um processo gradual, em que medidas “excepcionais”, no início incômodas, passam a ser aceitas como rotina. No Brasil, esse processo ganhou rosto e método. Sob o pretexto de defender a democracia, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou uma forma de poder que dissolve os freios e contrapesos constitucionais. O caso de Eduardo Tagliaferro – o ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes transformado em réu pelo próprio ministro que ele denunciou – é o retrato mais nítido de uma Corte que se julga infalível, e por isso se permite tudo. É um tribunal que, em vez de corrigir abusos, os institucionaliza. Segundo Tagliaferro, havia uma estrutura paralela dentro do Tribunal Superior Eleitoral, usada para monitorar c...

Editorial do Estadão, 09/11/2025 - "A arte do cancelamento"

  A arte do cancelamento Bienal de São Paulo levou a cultura do cancelamento aos extremos do ridículo ao impedir a participação de uma palestrante por causa dos pecados de um parente que morreu faz cem anos A Bienal de São Paulo cancelou um debate com a princesa Marie-Esméralda da Bélgica. Não por suas opiniões – o que já seria constrangedoramente autoritário. Marie-Esméralda, por sinal, é ambientalista, feminista e defensora dos indígenas. Mas ela foi condenada por associação a um parente de quarta geração morto há mais de um século: Leopoldo II – o monarca responsável por atrocidades no Congo. “Trate cada homem segundo o que merece, e quem escapará ao açoite?”, indagava o príncipe Hamlet. Imagine ser tratado segundo os deméritos do seu tio-bisavô? O que os diretores da Bienal sabem das eventuais transgressões de suas avós ou de seus tataravôs? Se o leitor tiver um tio ou irmão delinquente, deve pagar por ele? É a volta do Santo Ofício – agora de cabelo colorido e crachá de curado...