Editorial do Estadão, 06/12/2025 - "Os intocáveis"
Os intocáveis
Caso do youtuber condenado por criticar Flávio Dino mostra um Judiciário autoritário e corporativista
A condenação criminal de Bruno Aiub, conhecido como Monark, pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região por chamar Flávio Dino, então ministro da Justiça e hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de “tirânico” e “gordola” diz menos sobre os modos do youtuber e mais sobre a instituição que excretou essa sentença. Quem exerce o poder se expõe voluntariamente ao criticismo social. O ordenamento jurídico brasileiro é explícito: autoridades têm o dever de tolerar mais críticas. Hoje, porém, a sensibilidade dos ministros transformou-se numa espécie de direito fundamental.
O caso é apenas a fotografia de um filme mais tenebroso: um Judiciário que passou de guardião das liberdades a vanguarda do autoritarismo. Desde o inquérito das fake news, o STF arrogou para si o papel de polícia de opinião. Censurou matérias jornalísticas, derrubou perfis inteiros e impôs um regime de vigilância política que o Congresso jamais aprovou. Não é que o Judiciário julgue excessos do Estado: ele próprio se tornou o excesso.
A condenação de Monark por injúria expõe a crescente hostilidade da magistratura à liberdade de expressão. Quando uma juíza federal afirma que críticas duras a um ministro “abalam a confiança nas instituições”, ela inverte o fundamento da democracia. A confiança nas instituições só existe quando seus integrantes suportam o dissenso, não quando o suprimem. A condenação da jornalista Rosane de Oliveira e do jornal Zero Hora a pagar R$ 600 mil por divulgar dados públicos do salário de uma desembargadora mostra que o problema não é episódico: é sistêmico.
Ambos os casos expõem, por sinal, outro ingrediente desse caldo tóxico: o corporativismo togado. Ministros protegem ministros, tribunais blindam tribunais e qualquer crítica é tratada como “ataque à democracia”. A personalidade dos juízes transforma-se em extensão da própria ordem constitucional. A pretexto de tutelar “213 milhões de pequenos tiranos soberanos”, na infame expressão da ministra Cármen Lúcia, o STF encoraja o destempero de grandes tiranos, blindados por togas e por um sistema que não admite contestação.
Flávio Dino, por sinal, já chamou Jair Bolsonaro de “serial killer” e “genocida”, e acusou o Congresso inteiro de cometer um “golpe”, referindo-se ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Pelos critérios usados no caso contra Monark, essas declarações seriam qualificadas como “ataque às instituições”. Mas o peso da lei – e da moral – no Brasil varia conforme o endereço institucional de quem fala. Quando Dino calunia, é política; quando Dino é o alvo, vira crime.
O Judiciário está se tornando a passos largos um poder que pune antes que haja tipificação, censura antes de julgar e se protege antes de proteger direitos. Quando juízes criminalizam quem os critica, deixam de ser guardiões da Constituição e tornam-se arquitetos de sua destruição.
O Brasil não precisa de magistrados que se blindem da opinião pública. Precisa de magistrados que a suportem e a respeitem. Precisa, acima de tudo, que os representantes eleitos de seus 213 milhões de cidadãos os defendam dos tiranos togados.
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