Artigo de Míriam Leitão, O Globo, 18/02/2022

 PGR ameaça a democracia ao se tornar cúmplice de quem a ameaça



Por Míriam Leitão18/02/2022 08:13



É insultuoso o comportamento do procurador-geral da República. Em todos os casos que chegam a ele, Aras procura uma maneira de passar o pano em Bolsonaro. Augusto Aras desrespeita as leis do país, nega o óbvio, ofende a inteligência alheia e, mais importante, trai seu papel constitucional.

Nesse caso de agora. Havia uma investigação na Polícia Federal sigilosa. Ela começou exatamente a pedido do próprio TSE para saber a origem do ataque Hacker que tinha sido disparado contra o processo eleitoral. A investigação era sigilosa. O presidente Bolsonaro pegou esse documento da investigação inconclusa e divulgou. E só teve acesso por ser o presidente.

E o que ele fez ao violar o sigilo profissional? Bolsonaro cometeu outro crime que foi o de conspirar contra o processo eleitoral, divulgando mentiras sobre a confiabilidade e segurança das urnas.

A investigação na PF conduzida pela delegada Denisse Ribeiro concluiu que sim, o presidente cometeu crime ao quebrar o sigilo de um documento ao qual ele teve acesso pelo cargo que ocupa. Ele se fez acompanhar na live pelo deputado Felipe Barros, e disse que foi ele que obteve, e pelo coronel Mauro Cid, ajudante de ordens. Truques de Bolsonaro.

Aras disse que há “inexistência de tipo penal” porque nenhum juiz havia dito que o documento era sigiloso. Evidente que era, estava classificado como, não havia sido concluída a investigação.

O Brasil inteiro viu a lista interminável de crimes que o presidente cometeu na condução da pandemia, como chefe de governo. A CPI mostrou isso claramente. Bolsonaro disseminou propositadamente o vírus, ao promover aglomerações, desrespeitou medidas sanitárias, retardou compras de vacina, foi informado de crime e não tomou providências, estimulou a invasão de hospitais. A lista é longa. Mas Aras retardou ao máximo a resposta à CPI e depois propôs um detalhamento, que se apresente ao STF crime por crime. Manobra protelatória. E nesse meio tempo, atendeu a um pedido do vereador Carlos Bolsonaro para intimar os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, presidente e relator da CPI, por eles supostamente terem tido acesso a documentos sigilosos.

No caso da interferência do presidente na Polícia Federal, ele disse que o presidente tinha direito de escolher como poderia depor. Não tinha direito, porque pelo artigo 221 do Código de Processo Penal, o presidente só tem essa prerrogativa quando falar num inquérito como testemunha. Se for investigado, que era o caso, tem que depor presencialmente.

Nas manifestações de ataque à democracia, ele pediu o arquivamento do inquérito contra todos os organizadores daquelas manifestações, das quais o presidente participou.

E Aras tem truques. Ele abre averiguações preliminares em vez de abrir inquérito. E por que? As averiguações preliminares não precisam de supervisão do STF. E ele abre apenas para parecer que está tomando providências, passa um tempo e ele arquiva. Tudo o que Aras pode fazer para encobrir os crimes do presidente, ele faz.

A democracia brasileira está exposta a todos os riscos. Porque ela é atacada diariamente pelo presidente da República, que tem como cúmplice o procurador- geral Augusto Aras. O procurador geral da República trabalha diariamente para destruir o cargo que ocupa.

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