Editorial do Estadão, 07/03/2020


Decisão grave


Faz todo sentido exercer pressões diplomáticas sobre um regime vil como o de Maduro. Isto só não pode ser feito deixando desassistidos os milhares de brasileiros que vivem na Venezuela


Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

07 de março de 2020 | 03h00



Sem qualquer explicação, o governo brasileiro determinou a saída de quatro diplomatas e outros sete funcionários da embaixada e dos consulados do Brasil na Venezuela. É fato que as relações diplomáticas entre os dois países estão estremecidas desde o impeachment de Dilma Rousseff, passando pelo reconhecimento pelo Brasil, entre outras 50 nações, de Juan Guaidó como o presidente encarregado da Venezuela – contrapondo-o aos desmandos da ditadura de Nicolás Maduro – e pela grave crise migratória na fronteira. Mas o que teria levado o Itamaraty a decidir pela completa remoção do corpo diplomático baseado no país vizinho, ato que, na prática, equivale a um rompimento de relações? Até o momento, o Ministério das Relações Exteriores não disse e parece não ter a intenção de dizer. O Itamaraty afirmou que não comentará a decisão e tampouco o presidente Jair Bolsonaro.

Explicações deveriam ser dadas. O ato é grave. Há cerca de 10 mil brasileiros vivendo na Venezuela. Ao corpo diplomático cabe zelar pelos interesses do Brasil na nação anfitriã, aí incluído o resguardo dos interesses de seus nacionais. O Itamaraty limitou-se a informar que “ainda estuda” uma forma de continuar prestando assistência consular a todos os brasileiros que lá estão. Ou seja, primeiro decide-se acabar com a representação diplomática do País na Venezuela, depois se pensa no que fazer para atender os milhares de brasileiros que dependem dos mais variados serviços consulares. Não pode ser sério.

País sério, antes de tomar uma decisão dessa gravidade, com tantas repercussões práticas, além das que pertencem aos planos geopolítico e econômico, costuma negociar com outro país a representação de seus interesses nos locais onde não manterá mais o seu corpo diplomático, seja pela razão que for. Os Estados Unidos, por exemplo, não mantêm relações diplomáticas com o Irã, mas os interesses americanos no país persa são defendidos pelo embaixador da Suíça em razão deste tipo de acerto de alto nível.

A Venezuela mantém Freddy Meregote como seu representante diplomático em Brasília, ainda que entre ele e o Ministério das Relações Exteriores não haja qualquer interlocução. É provável que o encarregado de negócios do país vizinho também deixe o Brasil em breve. Ao determinar a saída de seus diplomatas e funcionários consulares da Venezuela, o governo brasileiro notificou Nicolás Maduro para que faça o mesmo.

Recentemente, o ditador venezuelano acusou o Brasil de “arrastar as suas Forças Armadas para um conflito armado com a Venezuela”, acusação que recrudesceu a tensão diplomática entre os dois países, mas não encontra qualquer respaldo na realidade. O que houve no final do ano passado foi um ataque de militares venezuelanos desertores a tropas de seu próprio país no Estado de Bolívar, na fronteira com o Brasil. Após o incidente, os desertores entraram em território nacional para pedir asilo. Embora não tenha faltado quem defendesse a participação do Brasil em uma hipotética intervenção militar para depor Nicolás Maduro, um ato hostil desta natureza jamais foi considerado seriamente por gente com um mínimo de sensatez.

A Venezuela há muito passa por uma gravíssima crise política, econômica e humanitária. A espiral de horrores perpetrados pelo irresponsável regime de Nicolás Maduro só cessará quando o ditador deixar o poder. Não se vislumbra qualquer cenário positivo para a Venezuela enquanto Maduro estiver dando as ordens no Palácio de Miraflores, respaldado pelas temidas milícias bolivarianas, bandos armados capazes de qualquer atrocidade em troca de algum poder e muito dinheiro.

Faz todo sentido exercer pressões diplomáticas sobre um regime vil como este. Isto só não pode ser feito deixando desassistidos os milhares de brasileiros que vivem na Venezuela e dependem da assistência consular de seu próprio país.

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