Para onde estamos indo?

Um país de delatores

Marcos Corrêa/PR
Um país de delatores
Sobre isto de se filmar professor… É o caso de perguntar: qual a ideia?; qual o destino que se pretende sob a normalização de tal prática? Em que trilho nos lançamos, ademais, quando o Estado é o agente estimulador-garantidor desse direito falacioso?
É preciso refletir sobre até onde as ideias podem levar. Esse é o papel do homem público. É fácil medir a pressão no ponto de partida, identificar um problema (há, sim, professores que fazem proselitismo partidário) e tratar como solução, como direito do estudante, a prática de “um celular na mão e um mestre na parede”. É facílimo jogar pra galera – defender, desde a condição de Estado, que nos protejamos num big-brother total – e colher as glórias imediatas de atender a ressentimentos e ressentidos. Mas é impossível projetar o destino – o rumo, os rumos – de um projétil como esse uma vez disparado.
A ideia, na origem, é a do cidadão que fiscaliza quem lhe presta serviços. Na prática, é erguer uma arena em que os fiscais serão juízes-cinegrafistas da doutrinação política alheia.
Essa febre é sintoma da doença brasileira; não remédio. Expressão de que desqualificamos nossos espaços de comunhão vendendo defender o terreno da liberdade. Não se iluda, leitor. Jamais será bom o futuro decorrente do investimento no culto e na cultura da desconfiança – jamais será um futuro de liberdade.
O ambiente de convivência entre estudantes e professores é mediado por códigos historicamente testados. Nunca foi isento de tensões e conflitos. Materializar o eventual abuso de professores em estímulo à vigilância, à emboscada, ao linchamento, é estimular que jovens alunos sejam patrulheiros e vingadores – é estimular que progrida em nossa juventude um senso de justiça, já muito influente entre adultos, que nada mais é do que justiçamento. É estimular que, do universo em que coexistem professores e estudantes, surjam mais duas facções representativas de um país cindido, profundamente deprimido.
Não vamos para bom caminho assim – posso assegurar. Veja, leitor, no que se transforma o Brasil sob nossos olhos e aplausos: um lugar de delatores, em que todos são suspeitos e suspeitam.
É a tragédia.

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