De novo, o Estadão acerta na mosca!

Pretensões descabidas

01 de maio de 2014 | 2h 11

O Estado de S.Paulo
Aproveitando a repercussão da Operação Lava Jato, delegados federais voltaram a pedir mais autonomia administrativa, financeira e funcional para a Polícia Federal. Há dias, realizaram um evento no Espírito Santo para anunciar suas reivindicações. E, nos próximos dias, enviarão um documento aos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, pedindo que a Polícia Federal - hoje um departamento do Ministério da Justiça - passe a ter o status jurídico de "Secretaria Especial" ou de "instituição independente", como ocorre com a Advocacia-Geral da União e a Defensoria Pública da União.
A corporação também quer mudar os critérios de escolha de seu chefe. Pelas regras em vigor, o superintendente da Polícia Federal é indicado pelo ministro da Justiça, E, como o cargo é de confiança, pode ser demitido a qualquer momento. Alegando que esse procedimento torna o superintendente vulnerável a pressões políticas e partidárias, comprometendo sua independência, a corporação pleiteia um processo de escolha semelhante ao do procurador-geral da República. Ou seja, os delegados elaborariam uma lista com três nomes e a Presidência da República escolheria um deles, que teria um mandato definido, não podendo ser demitido.
Essas pretensões não são novas. Elas foram defendidas - sem sucesso - há duas décadas e meia, durante a Assembleia Constituinte. Também foram objeto de projetos que não prosperaram. Voltam à baila de tempos em tempos, em especial quando a Polícia Federal se sobressai no combate a crimes cometidos por políticos e empresários.
Alegando que precisam de mais garantias para combater o crime organizado e assegurar a "credibilidade da instituição junto à sociedade", os delegados federais pleiteiam ainda outras prerrogativas funcionais. Eles querem a faculdade de poder escolher, entre os milhares de inquéritos em curso, aqueles que terão prioridade - principalmente as investigações sobre esquemas criminosos envolvendo casos de malversação de recursos públicos e de corrupção.
A corporação reclama que a maioria dos inquéritos criminais, além de tratar de "casos menores", sem maior repercussão na mídia, consome os "poucos recursos" da Polícia Federal. Em 2013, havia 108 mil inquéritos policiais instaurados pela Polícia Federal, dos quais somente 12 mil eram relacionados a crimes de corrupção. Os números são da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). "A credibilidade alcançada pela Polícia Federal junto à sociedade brasileira se deve ao efetivo combate ao crime organizado. Ele afeta não somente a União Federal, mas toda a sociedade", diz o documento - divulgado pelo jornal Valor - que a corporação enviará para os presidentes dos Três Poderes.
Segundo os delegados, a conversão da Polícia Federal numa Secretaria Especial ou numa instituição independente não a impediria de continuar agindo nas áreas de competência do Ministério da Justiça. "Gostaríamos de ter uma polícia com maior autonomia", afirma o presidente da ADPF, Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, depois de lembrar que a Defensoria Pública da União permanece vinculada ao Ministério, apesar de sua independência orçamentária e funcional.
As pretensões dos delegados federais são inteiramente descabidas. Não faz sentido dar autonomia a um braço administrativo da máquina governamental. Se hoje já é difícil controlar os órgãos policiais e coibir abusos, com a concessão de autonomia financeira e funcional à Polícia Federal isso seria praticamente impossível. Basta ver os abusos cometidos por alguns procuradores da República no passado, que acintosamente colocaram suas prerrogativas a serviço de partidos políticos. Também não faz sentido permitir que os delegados federais tenham a prerrogativa de escolher quais casos querem investigar. Exponenciado pela autonomia funcional, o protagonismo da Polícia Federal a converteria num órgão acima de qualquer controle, incompatível com o Estado de Direito.

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