Considerações corretas

Três amostras do bestialógico tupiniquim


por Marli Nogueira em 23 de março de 2007

Resumo: É preciso mesmo ter muito estômago para agüentar a avalanche de mentiras e armações que, com a maior desfaçatez, surgem diariamente na imprensa.

© 2007 MidiaSemMascara.org

Só mesmo a pobreza intelectual de nosso meio explica a enorme facilidade com que hoje em dia se dizem as maiores mentiras do mundo, na certeza de que serão admitidas como verdades incontestáveis. Elas são derramadas aos borbotões por toda a mídia (salvo as exceções de praxe) porque já se tornou patente que o número de pessoas capazes - e dispostas - a contestá-las é infinitamente menor do que o daquelas que as proferem. De resto, essa contestação exigiria uma trabalheira tamanha, que chega mesmo a causar desânimo. O resultado é uma goleada da mentira sobre a verdade, como a que um bom time de futebol daria em uma partida contra um timinho de várzea.

A título de ilustração, mostro aqui apenas três exemplos (entre os milhares que ocorrem todos os dias nos mais variados meios de comunicação do país) da rematada desfaçatez com que essas mentiras são ditas.

Insone (como sempre), fui ler a última edição da revista Veja (nº 2000), e logo me deparei com duas amostras do bestialógico tupiniquim, antes mesmo de ter lido a metade da revista.

Em resposta à reportagem que a Veja publicou na semana passada sobre a tentativa da Funai de demarcar uma área para indígenas paraguaios em Santa Catarina em detrimento dos nossos índios, o senhor Michel Blanco Maia e Souza, assessor de imprensa da Fundação, vem tentar justificar aquela atitude, na seção "Cartas", declarando que "É graças aos povos indígenas que o Brasil possui suas dimensões continentais".

Quanta sandice! Qualquer menino de 10 anos, se estudou direitinho a História do Brasil, sabe perfeitamente bem que nossa grande extensão territorial se deveu principalmente à conjugação de quatro fatores: a) a colonização portuguesa, que logo tratou de criar meios de defesa do território conquistado, nele instalando vários fortes (muitos deles existentes até hoje) estrategicamente localizados para impedir o assalto de estrangeiros; b) a união das coroas ibéricas, ocorrida entre 1580 e 1640, propiciando aos portugueses o adentramento do território situado para além dos limites estabelecidos pelo Tratado de Tordesilhas; c) a disseminação da língua portuguesa, que se manteve de Norte a Sul e de Leste a Oeste, apesar das invasões de franceses e holandeses; d) a intensa miscigenação entre brancos, negros e índios (e ainda se fala de racismo no Brasil!), o que, aliado ao movimento das "Entradas e Bandeiras", facilitou o povoamento do território nacional.

É doloroso constatar que o assessor de imprensa de um órgão público federal sequer conheça a História de seu país. Além disso, causa espanto ver o esmero do estado (com inicial minúscula mesmo, como muitíssimo bem justificou a Veja no editorial do número anterior) na "proteção dos direitos indígenas", enquanto que uma imensa parte da população brasileira (pagadora de impostos, é bom lembrar) mal tem onde morar ou se espreme entre os barracos das numerosas favelas espalhadas pelas principais cidades do país, onde inexiste saneamento básico mas sobram balas perdidas e jovens desempregados.

Já na seção "Veja essa" da mesma revista, encontro a seguinte frase, proferida por José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro: "Que sociedade é essa que deixa menores sair armados de suas casas? O criminoso não nasce com 16 anos. Ele se forma."

É claro que o criminoso não nasce com 16 anos e que leva bastante tempo para se formar. A desfaçatez, aí, está em dizer que quem os deixa sair armados é "a sociedade". E quem fez tal afirmação não foi um jovem de 16 anos, não. Foi uma autoridade paga para combater a criminalidade no estado do Rio de Janeiro!

Quem deixa esses menores saírem de casa armados, senhor Secretário, é o senhor mesmo, que deveria não apenas impedir que eles tivessem acesso a elas (como o senhor deve saber, a maioria dessas armas é obtida no mercado negro ou então pela via dos furtos e assaltos), como também sair à caça de quem tem porte ilegal de armas, tenha o portador a idade que tiver. De mais a mais, é muito cômodo culpar a "sociedade" pelo crescente índice de criminalidade, quando a responsabilidade cabe única e exclusivamente ao estado. Mas ao invés de desarmar os criminosos - menores ou não -, o que faz o estado? Simplesmente trata de evitar qualquer medida mais enérgica para combater a criminalidade (para nossas autoridades, os bandidos são "vítimas da sociedade"), ao mesmo tempo em que desarma a população ordeira, criando enormes obstáculos para a aquisição de armas que poderiam ser de suma importância para a sua defesa. É o "estatuto indireto" do desarmamento ante o retumbante NÃO que os brasileiros deram em resposta ao referendo, em 2005.

Mas o bestialógico tupiniquim não pára por aí. Vamos a mais um:

Ainda no mesmo dia ouço, por uma rádio de âmbito nacional, a notícia de que, para reduzir a criminalidade, o governo do Rio de Janeiro (por proposta da Secretaria de Ação Social e de Direitos Humanos, em má hora entregue à senhora Benedita da Silva, do PT) cogita de incluir as famílias dos menores delinqüentes em programas sociais, esperando que, com essa medida, "eles se voltem mais para os seus familiares".

Parece que nossas autoridades enlouqueceram de vez! Como podem imaginar que um dinheirinho a mais para papai e mamãe demoveria os jovens de delinqüir? O contrário sim, é que poderia ser de alguma utilidade: se esses jovens soubessem que suas famílias iriam perder qualquer benefício governamental (bolsa-família, seguro-desemprego ou coisas do gênero), quem sabe eles pensariam duas vezes antes de praticar seus crimes? Quem sabe essas mesmas famílias, para não perderem os benefícios, tratassem de controlar melhor os seus filhos? Mas não: o governo estadual, além de pretender dar dinheiro para essas famílias (que, na verdade, muitas vezes já possuem renda muito maior do que a maioria das de classe média, uma vez que seus filhinhos trazem para casa o dinheiro do narcotráfico, dos assaltos e dos furtos), somente poderá fazê-lo às custas do contribuinte. Preparem-se, cariocas: pode vir aí um novo aumento de impostos para pagar mais esse ato de extrema "bondade" do governo.

Como se vê, é preciso mesmo ter muito estômago para agüentar a avalanche de mentiras e armações que, com a maior desfaçatez, surgem diariamente na imprensa. Ainda mais quando três delas vêm juntas em menos de quinze minutos de contato com as notícias. Alguém tem um antiácido aí?

A autora deste artigo é Juíza do Trabalho em Brasília.

Comentários

Anônimo disse…
Muito boa a matéria. Gostei. Esse País está dando enjôo em qualquer um que não seja ou não esteja comprometido com a "petralhada". E as bobagens que o Apedeuta diz cada vez que aparece na televisão? Também quero um antiácido!

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