Editorial do Estadão, 19/06/2024 - "O vaudeville de Lula"

 O vaudeville de Lula


Equipe econômica faz de tudo para mostrar a disposição de Lula para cortar gastos e reequilibrar o Orçamento, mas o presidente foge da responsabilidade e tenta culpar o BC


Lula da Silva participou anteontem da reunião da Junta de Execução Orçamentária, numa encenação destinada a sinalizar que o presidente enfim se dispôs a rever os gastos do governo. O resultado, claro, é puro vaudeville lulopetista: Lula, que passou a vida inteira defendendo a irresponsabilidade fiscal, fica cômico no papel de presidente subitamente preocupado com o equilíbrio das contas públicas.

Seus ministros, claro, por dever de lealdade, trataram de espalhar que Lula não gostou do que viu. Segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, o presidente ficou “extremamente mal impressionado” com o tamanho dos subsídios, que consomem quase 6% do Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, os gastos tributários atingiram R$ 519 bilhões, ou 4,8% do PIB.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a participação de Lula na reunião teria aberto um espaço importante de discussões. “Eu senti um presidente bastante mais senhor dos números”, afirmou. É preciso muito esforço da plateia para acreditar na ficção de que só agora Lula tomou ciência do peso dos subsídios na economia – malgrado ter tomado posse há 18 meses e estar em seu terceiro mandato. Mas a empulhação não terminou aí: consta que Lula teria cobrado da equipe econômica um “plano de ação” para reavaliar esses gastos e reduzir aqueles que não fossem mais necessários.

Lula vestiu o figurino da austeridade depois de uma semana muito dura para o governo no Congresso, em que ficou claro o esgotamento da política de aumentar a arrecadação sem tocar nos gastos. Mas não demorou nem 24 horas para que Lula tirasse a maquiagem e voltasse a ser Lula: numa entrevista à Rádio CBN na manhã de terça-feira, ficou claro que o presidente não tem a menor intenção de colocar qualquer plano de corte de despesas em prática.

Logo de saída, Lula repetiu a ladainha segundo a qual é importante diferenciar gasto de investimento. Disse que se recusa a fazer ajuste fiscal em cima das pessoas mais humildes e não manifestou a intenção de cortar os gastos tributários, mas de cobrar contrapartidas dos empresários e setores beneficiados com desonerações, como a manutenção de empregos.

Por fim, o petista chegou ao ponto que queria: alvejar o Banco Central (BC). E a crítica não poderia ter sido feita em momento mais inoportuno: na véspera da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) para definir a taxa básica de juros.

Para Lula, o País vai bem, e só há uma coisa “desajustada”. Segundo o petista, não é uma política fiscal incompatível com a arrecadação e que gera déficits primários há mais de dez anos, e sim o comportamento do Banco Central. Lula disse que o País precisa de uma taxa de juros compatível com a inflação, que está, segundo ele, totalmente controlada.

Não é o que apontam as projeções do mercado para o IPCA, que subiram pela sexta semana consecutiva, segundo o Boletim Focus. A piora nas expectativas é tão evidente que 43 das 50 instituições consultadas pelo Projeções Broadcast apostam que a Selic será mantida, e 20 de um total de 29 acreditam que a decisão será unânime.

O problema da crítica de Lula é que ela não diferencia o Banco Central, enquanto instituição, da figura de seu presidente, Roberto Campos Neto. Este jornal já fez reparos à aproximação imprudente de Campos Neto com o mundo político, em particular com o grupo que faz oposição a Lula. Mas usar a atitude de Campos Neto para tentar emparedar o BC, como faz Lula, só traz ruído em um cenário já bastante turbulento, em que o dólar supera o nível de R$ 5,40. Qualquer decisão que os diretores do Copom venham a tomar que seja minimamente diferente do esperado poderá ser mal interpretada e sinalizar que seus integrantes estão sujeitos a pressões políticas.

O pior é que todo o barulho que o presidente fez só tem uma intenção: encontrar um culpado para livrá-lo do desgaste de ter de adotar medidas de ajuste fiscal para reequilibrar o Orçamento. Mas essa é uma agenda da qual nenhum governo pode fugir, sob pena de converter farsa em tragédia.

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